GUERRA DE MONSTROS
O sono seria a melhor opção, caso ele estivesse disponível, mas fazer o quê? O tempo está me roubando o sono, os cabelos, a disposição. Todos os dias meu patrimônio está sumindo, inclusive, as recordações. Não conto mais nem com as lembranças para me entreter. Dizem que fui famoso, rico, mas nem sei se isto é verdadeiro ou se são apenas armadilhas da imaginação para encher o ego. A cada dia vêm repórteres perguntarem o que senti quando doei todo o meu patrimônio. Não fui eu, respondo, e não estou querendo posar de modesto, na verdade, esqueci.
Os insetos, diferentemente de mim, nunca esquecem. Digo isto porque todas as noites eles vêm voando em direção ao alimento predileto que corre em minhas veias, e noto que estão esperando que eu adormeça para começar o banquete.
Neste momento de aflição solitária, escuto o zim zim deles lá longe. Eu poderia ser feliz, deixar de imaginar a catástrofe final em que estou próximo a ser vítima, mas não, fico dando ouvidos ao meu instinto tenebroso e dá no que dá: perco o sono.
Mas quem é doido para adormecer nessa selva de predadores? A todo momento a pressão sobe e tenho que tomar remédio; a bexiga enche e lá vou eu esvaziá-la. São tantas as medidas que tenho que checar para continuar respirando que fico desanimado.
Além dos cuidados corporais internos que tenho que ter, ainda me chegam essas muriçocas. Elas são como andorinhas em revoadas. Tomaram de assalto meu dormitório e não estão nem aí. A mulher fecha-se no ar, e eu, alérgico ao frio, fico lutando na guerra desigual contra essas pestinhas.
Se descobrir o rosto, sou picado. Se me cobrir, o calor me assa. Comprei uma raquete mata mosquito na loja dos importados, mas como de praxe, deu defeito. Apelo para minha mão ligeira na pegada de insetos. Enquanto esmago um, o outro já entrou no ouvido. Continuam entrando sem pedir licença, minto, eles devem pedir licença em forma de ziiiiiiimmmmm, mas como ainda não fiz o curso para decifrar zins, meto a mão. Escapam, claro.
Nesta guerra, descobri, no sótão, um ventilador enferrujado que está servindo como recruta na minha trincheira. Ele, ao executar suas rajadas de vento, está me deixando maluco. Os “rocs” “rocs” dos rolamentos gripados tiram-me a paz. Coloco óleo aerossol, Singer pingado, e nada. Às vezes ele pega no tranco e faz pá pá pá pá... que se eu deixar ele diz papai. A noite inteira é uma zoeira só.
No outro dia estou exausto e esses hematófagos dormem o sono dos inocentes, com a barriga cheia de sangue. Vingo-me! Saio olhando as paredes armado com meu escudo de dedo, estilo Dom Quixote de La Mancha, e vou esfregando-os na parede. A pintura fica surreal. O branco com manchas vermelhas é motivo para duas horas de reclamações. Marilza é outro problema. Eu pergunto de qual lado ela está. Não me escuta. Irritada, tenta limpar o sangue escorrido. Parece até filme de terror. Ela trajando bruxa, e eu de Sancho Pança.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 04/11/2021 – 10:50
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