terça-feira, 26 de outubro de 2021

SAUDADES DE OURO - Heraldo Lins

 


SAUDADES DE OURO


A terra onde canta o sabiá, eu, recentemente, lembrei-me dela. Há bastante tempo sinto uma grande nostalgia comparada com a de Gonçalves Dias, só que as palmeiras foram substituídas pelos xique-xiques, e os sabiás, pelas rolinhas. Relembro as casacas-de-couro hasteando a bandeira da felicidade no alto da jurema seca, e eu esperando a saída da tapioca do fogão de lenha.

 

Naquela época, longe do mármore polido, encantava-me com a orquestra do amanhecer. Minha avó preparando o líquido preto na panela de barro, e meu avô chegando com o branco in natura do curral. Na cozinha, com piso de barro batido, eu tomava a espuma crua até ficar com um bigode branco. Nem era bom nem ruim, apenas acontecia como em milhares de lares sertanejos. 


O frio do sertão, ao amanhecer, fazia todos se confraternizarem perto do fogo. As conversas noticiavam a visita da raposa no galinheiro, o rastro do tatupeba no terreiro, e, esporadicamente, o nascimento de mais um bezerro. Eram notícias importantes que norteavam o dia a dia na labuta do campo. 


O gado teria que ir passar os meses de dezembro e janeiro na volta do rio. A água liberada pela comporta da barragem não mais chegava ao sítio distante. Rio acima morava um parente que se comprometera em cuidar do gado solteiro enquanto a chuva não trazia o pasto. As trocas de favores tornavam a vida menos amarga naquele torrão esquecido pela autoestrada.


A única coisa em abundância era o acolhimento de uns com os outros: o caldo da caridade para quem caía das pernas, a injeção aplicada na fé do desvalido, além da benzedeira passando o ramo em menino buchudo. 


Nas noites de lua o ajuntamento de vizinhos se fazia na areia do rio plantando batatas, e, todos sabiam, que entre a lua minguante e nova era o momento certo para fincar os ramos nas covas do rio seco. O branco da areia reluzia as imagens dos trinta homens dispostos a cavar o chão. As mulheres levavam, à meia-noite, o pós-ceia engolido às pressas antes do sol nascer. Cada vizinho delimitava sua porção da vazante com as rumas de estercos, espaçadamente, amontoadas.


Ninguém se preocupava com furtos. Bastava alguém pedir que era prontamente atendido. Os ramos plantados no barreiro produziam umas mais doces. Batatas de açude, como se dizia, eram bem mais disputadas. As dos rios terminavam servindo para alimentar o gado, e hoje contribuem para alimentar nossa memória nostálgica.                     

   

Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 14/10/2021 – 15:16




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