segunda-feira, 11 de outubro de 2021

PRIMEIRO RÁDIO - Poeta Daxinha



PRIMEIRO RÁDIO

Resposta a Marluce


I

Os teus versinhos serviram

Para que eu recordasse

Meu pensamento voltasse

A fatos que existiram

Pessoas que já partiram

Tempos que não voltam mais

Alguns deles, entre os quais,

Não saem de minha lembrança

Quando ainda éramos crianças

Ao lado de nossos pais.

II

É verdade que vivíamos

Divertindo a vida inteira

Mas nem só de brincadeira

Era o que pretendíamos

Muitas vezes construíamos

Uma belíssima casinha

Mima, você e Zirinha,

Vavá, Nilo e Carmelita

Pra esperar as visitas

Eu, Zé de Cila e Nevinha.

III

Boi-de-osso e bombaquinha

Anelão e pega-pega

Esconder-se e cobra-cega

Coelho Passa e Cirandinha

Muitas vezes, até Vardinha

E Genibaldo entravam

Sempre nos atrapalhavam

Por serem moça e rapaz

Ai de quem corresse atrás

Porque eles judiavam.

IV

Mas naquele belo dia

Que estávamos a brincar

E vimos Eliseu passar

E algo estranho conduzia

Numa carga que trazia

Sobre o lombo de um jumento

Ninguém em são pensamento

Previa que se tratasse

De um rádio que falasse

À bateria e cata-vento.

V

Vale bem salientar

Que aquela carga esquisita

Deixou muita gente aflita

E tentando adivinhar

Mamãe, pra simplificar

Disse: Talvez seja uma lata

De veneno pra barata

Ou um pulverizador

Desses que o agricultor

Compra pra matar lagarta.

VI

Eliseu, que trabalhou

Uma semana inteirinha,

Um dia, de tardezinha,

Um barulho se escutou

Lalá correu e contou:

Eliseu veio instalar

Um rádio pra se dançar

E escutar cantorias

Daqui mais uns quatro dias

Papai aprende a ligar.

VII

No dia que o rádio falou

A alegria foi tanta

Alta abraçou Tia Santa

Lalá quase desmaiou

José não se controlou

Rivaldo até gaguejava

Hermes com João dançava

E Argemiro com Maria

Até Odom nesse dia

Os bodes não vaquejava.

VIII

Mas foi numa tardezinha

Que o vento um som nos trazia

Porém ninguém conseguia

Ouvir as rimas todinhas

Um pensamento me vinha

E foi aí que me dispus

E gritei: Apaguem a luz

Mamãe já seguiu na frente

E fomos ouvir o repente

No Alto dos Urubus.

IX

Lá do Alto se escutava

E até que era bom

Mas não era só o som

Que pra nós interessava

Que era ver como falava

A voz, por onde saía

Fui perguntar pra Tia Iria

Qual foi sua explicação?

Isso é astúcia do cão

Credo-em-cruz, Ave Maria!

X

Cila começou chorar

Dizendo: Deus me perdoe

Não trato o fato do boi

O mundo vai se acabar!

Corre, Pedro, vai avisar

A Compadre Zé Galdino

Pra prevenir os meninos

De uma coisa eu acho certo

Pra não passarem nem perto

Da casa de Leopoldino!

XI

Um dia veio um recado

Que trouxe foi o Nanã:

O Pai lhe disse: Amanhã

Quando for pro outro lado

Chame o povo do Pelado

Pra assistirem a cantada

Mas avise à molecada

Pra ficar quieto, escutando

Porque o rádio falando

Não se ouve com zoada!

XII

Mamãe pôs a janta cedo

E estava lavando a louça

Foi dizendo: Deus, me ouça!

Vou revelar um segredo

Confesso que estou com medo

Dessa minha canzoada

Chegar fazendo zoada

Na casa de gente rica

Se eu ficar tiririca

Bato lá na molecada!

XIII

Lá do caminho do Melo

Já se ouvia as mensagens

Eu, pra não contar vantagens,

Tremia e tava amarelo

Fiz que quebrou-se o chinelo

Enquanto os outros andava

Quanto mais perto chegava

Que a zoada ia aumentando

Meu coração disparando

E um suor frio me dava.

XIV

Mandaram que nós entrássemos

E até com um gesto franco

Nos apresentaram um banco

Para que todos sentássemos

E um pouquinho esperássemos

Que logo o Velho saía

Pois só ele se atrevia

Mexer naquele botão

Depois mudar de estação

Pra pegar a cantoria.

XV

Com um pouco o Velho surgiu

Cumprimentou todos nós

Virou-se um pouco veloz

Olhou pro rádio e sorriu

E disse: Já que todo mundo viu

Escute o que vou falar

Podem todos se calçar

E um no outro não toque

Porque pode haver um choque

Na hora que eu for ligar.

XVI


Quando eu mexer no botão

É bom que levantem os pés

Quando eu contar até dez

Já podem pisar no chão

Tirem faca e cinturão

Que Eliseu disse outro dia

Que qualquer ferro que alumia

Até mesmo uma fivela

Com o azougue que tem nela

Descarrega a bateria.


XVII

Confesso que eu sentia

O corpo inteiro tremendo

Olhando o velho mexendo

Deu-me até desinteria

Mas um baião de cantoria

Já tomou conta de mim

A dupla cantando assim

Sobre um caso passado:

Morreu Moreira afogado

Na Lagoa do Bom Fim.

XVIII

Assistimos a cantoria

Depois pra casa saímos

Nessa noite não dormimos

Relembrando a poesia

Pra Tio Amaro eu corria

Bem cedo pedindo ajuda:

Tia Celina, me acuda

O que fala sem microfone?

Ela disse: Um zonofone

Do mesmo de Tio Duda.


XIX

Foi assim que comecei

A ver esses aparelhos

Pedi até de joelhos

Até que um rádio compre

A marca dele ainda sei

Era um rádio Campeão

Foi grande a satisfação

Vendo o meu rádio ligado

E só depois de casado

É que comprei televisão.

XX

Na Eletro Rádio Brás

Comprei a TV GE

Foi lá no Tatuapé

Quanto tempo já não faz

Para trazê-la, aliás,

Tive que fazer o seguinte:

Antes que o problema pinte

Comprei um transformador

Porque, aqui no setor,

Cento e dez não tem valor

É só duzentos e vinte.


Autor: JOSELITO FONSECA DE MACEDO, o popularíssimo DAXINHA.


29/02/1975





Um comentário:

  1. É uma das minhas preferidas!! Mais uma vez, gratíssima pelo espaço, Gilberto!!

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