PRIMEIRO RÁDIO
Resposta a Marluce
I
Os teus versinhos serviram
Para que eu recordasse
Meu pensamento voltasse
A fatos que existiram
Pessoas que já partiram
Tempos que não voltam mais
Alguns deles, entre os quais,
Não saem de minha lembrança
Quando ainda éramos crianças
Ao lado de nossos pais.
II
É verdade que vivíamos
Divertindo a vida inteira
Mas nem só de brincadeira
Era o que pretendíamos
Muitas vezes construíamos
Uma belíssima casinha
Mima, você e Zirinha,
Vavá, Nilo e Carmelita
Pra esperar as visitas
Eu, Zé de Cila e Nevinha.
III
Boi-de-osso e bombaquinha
Anelão e pega-pega
Esconder-se e cobra-cega
Coelho Passa e Cirandinha
Muitas vezes, até Vardinha
E Genibaldo entravam
Sempre nos atrapalhavam
Por serem moça e rapaz
Ai de quem corresse atrás
Porque eles judiavam.
IV
Mas naquele belo dia
Que estávamos a brincar
E vimos Eliseu passar
E algo estranho conduzia
Numa carga que trazia
Sobre o lombo de um jumento
Ninguém em são pensamento
Previa que se tratasse
De um rádio que falasse
À bateria e cata-vento.
V
Vale bem salientar
Que aquela carga esquisita
Deixou muita gente aflita
E tentando adivinhar
Mamãe, pra simplificar
Disse: Talvez seja uma lata
De veneno pra barata
Ou um pulverizador
Desses que o agricultor
Compra pra matar lagarta.
VI
Eliseu, que trabalhou
Uma semana inteirinha,
Um dia, de tardezinha,
Um barulho se escutou
Lalá correu e contou:
Eliseu veio instalar
Um rádio pra se dançar
E escutar cantorias
Daqui mais uns quatro dias
Papai aprende a ligar.
VII
No dia que o rádio falou
A alegria foi tanta
Alta abraçou Tia Santa
Lalá quase desmaiou
José não se controlou
Rivaldo até gaguejava
Hermes com João dançava
E Argemiro com Maria
Até Odom nesse dia
Os bodes não vaquejava.
VIII
Mas foi numa tardezinha
Que o vento um som nos trazia
Porém ninguém conseguia
Ouvir as rimas todinhas
Um pensamento me vinha
E foi aí que me dispus
E gritei: Apaguem a luz
Mamãe já seguiu na frente
E fomos ouvir o repente
No Alto dos Urubus.
IX
Lá do Alto se escutava
E até que era bom
Mas não era só o som
Que pra nós interessava
Que era ver como falava
A voz, por onde saía
Fui perguntar pra Tia Iria
Qual foi sua explicação?
Isso é astúcia do cão
Credo-em-cruz, Ave Maria!
X
Cila começou chorar
Dizendo: Deus me perdoe
Não trato o fato do boi
O mundo vai se acabar!
Corre, Pedro, vai avisar
A Compadre Zé Galdino
Pra prevenir os meninos
De uma coisa eu acho certo
Pra não passarem nem perto
Da casa de Leopoldino!
XI
Um dia veio um recado
Que trouxe foi o Nanã:
O Pai lhe disse: Amanhã
Quando for pro outro lado
Chame o povo do Pelado
Pra assistirem a cantada
Mas avise à molecada
Pra ficar quieto, escutando
Porque o rádio falando
Não se ouve com zoada!
XII
Mamãe pôs a janta cedo
E estava lavando a louça
Foi dizendo: Deus, me ouça!
Vou revelar um segredo
Confesso que estou com medo
Dessa minha canzoada
Chegar fazendo zoada
Na casa de gente rica
Se eu ficar tiririca
Bato lá na molecada!
XIII
Lá do caminho do Melo
Já se ouvia as mensagens
Eu, pra não contar vantagens,
Tremia e tava amarelo
Fiz que quebrou-se o chinelo
Enquanto os outros andava
Quanto mais perto chegava
Que a zoada ia aumentando
Meu coração disparando
E um suor frio me dava.
XIV
Mandaram que nós entrássemos
E até com um gesto franco
Nos apresentaram um banco
Para que todos sentássemos
E um pouquinho esperássemos
Que logo o Velho saía
Pois só ele se atrevia
Mexer naquele botão
Depois mudar de estação
Pra pegar a cantoria.
XV
Com um pouco o Velho surgiu
Cumprimentou todos nós
Virou-se um pouco veloz
Olhou pro rádio e sorriu
E disse: Já que todo mundo viu
Escute o que vou falar
Podem todos se calçar
E um no outro não toque
Porque pode haver um choque
Na hora que eu for ligar.
XVI
Quando eu mexer no botão
É bom que levantem os pés
Quando eu contar até dez
Já podem pisar no chão
Tirem faca e cinturão
Que Eliseu disse outro dia
Que qualquer ferro que alumia
Até mesmo uma fivela
Com o azougue que tem nela
Descarrega a bateria.
XVII
Confesso que eu sentia
O corpo inteiro tremendo
Olhando o velho mexendo
Deu-me até desinteria
Mas um baião de cantoria
Já tomou conta de mim
A dupla cantando assim
Sobre um caso passado:
Morreu Moreira afogado
Na Lagoa do Bom Fim.
XVIII
Assistimos a cantoria
Depois pra casa saímos
Nessa noite não dormimos
Relembrando a poesia
Pra Tio Amaro eu corria
Bem cedo pedindo ajuda:
Tia Celina, me acuda
O que fala sem microfone?
Ela disse: Um zonofone
Do mesmo de Tio Duda.
XIX
Foi assim que comecei
A ver esses aparelhos
Pedi até de joelhos
Até que um rádio compre
A marca dele ainda sei
Era um rádio Campeão
Foi grande a satisfação
Vendo o meu rádio ligado
E só depois de casado
É que comprei televisão.
XX
Na Eletro Rádio Brás
Comprei a TV GE
Foi lá no Tatuapé
Quanto tempo já não faz
Para trazê-la, aliás,
Tive que fazer o seguinte:
Antes que o problema pinte
Comprei um transformador
Porque, aqui no setor,
Cento e dez não tem valor
É só duzentos e vinte.
Autor: JOSELITO FONSECA DE MACEDO, o popularíssimo DAXINHA.
29/02/1975
É uma das minhas preferidas!! Mais uma vez, gratíssima pelo espaço, Gilberto!!
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