AMOR MASTIGADO
Ela caminhava pertinho da água desviando-se das ondas que quebravam diante da sua beleza. Andava distraída, e em um certo momento calculou meu olhar. Mais atrás, em um posto salva-vidas, o homem de camisa vermelha torcia para que ela precisasse de ajuda boca a boca.
Agradeci à natureza por ter me servido com tão bela paisagem feminina. Nosso maior diálogo foi se olhar de longe, coisa rápida, mas suficiente para despertar, em mim, um horizonte de desejos.
Ela veio para a toalha. Deitou-se. Sugeria o que eu estava a pensar há muito. Deve ser uma mensagem dissimulada: vir à praia, caminhar, deitar-se e esperar algum convite. Seu biquini é vermelho colorindo a pele branca nas curvas dos vinte anos. Se eu fosse casado com ela não a deixaria vir à praia sozinha, a não ser que ela fizesse questão. Saberia que alguém estaria, como eu, pensando em tomá-la nos braços. Mas se ela quisesse, fincasse o pé, Ah, como eu sofreria. Eu ficaria de longe a lhe observar com minha luneta, decifrando perguntas de gaiatos sobre ajuda e carona. Dias depois ainda discutiríamos como ela se sentiu sendo desejada por desconhecidos.
Ir à praia não é tão simples assim. Se levar a beleza junta, prepare-se para assédios longínquos. Foi isso o que pensei vendo aquela mulher belíssima ornamentando a paisagem marítima. Talvez esteja precisando de alguém para conversar. Talvez não. Se houvesse menino de recado, eu pagaria a um deles para saber. Ela poderia contratar uns disfarçados de vendedores de amendoins. Sairiam em busca de recados do amor para alimentar sua vaidade. Levariam as mensagens e trariam desilusões. Ah, se eu tivesse o WhatsApp dela! Ficaria lhe elogiando o dia inteiro até ser atendido. Bateria à sua porta com um bom dia, um oi, ou para dizer-lhe que é, simplesmente, linda.
Mas não disponho. Ergueu-se! Caramba! Eu já estava ficando desatento. Parece que ela sabia disso. Levantou-se na hora certa e foi em direção ao mar. Será que leu minha mente e resolveu me dar uma chance? Possa ser que ela tenha vindo de outra dimensão, e lá se sabe ler mentes, ouvi dizer. O que direi se ela perguntar as horas? Que diacho! Era para estar com um relógio. Isso mesmo! Ela está querendo saber quantos minutos ainda poderá permanecer tomando sol. Por que não pensei em trazer um relógio para a praia? Teria assunto para começo de conversa. Mesmo se ela não quisesse saber eu ofereceria os ponteiros para ela ver. Estaria olhando para meu relógio enquanto eu olhava de perto seu decote erguido, ambos erguidos.
Mais uma vez, volto minha atenção para a princesa. Estar a entrar na água. Vou ter que ir também. Lá dentro posso sair de fininho, caso receba um não. Ninguém vai saber que fui rejeitado. Pelo menos terei uma chance de me mostrar para ela. Dentro da água posso fingir que estou apenas nadando.
Observo atento ela encurvando-se, exageradamente, para a frente enquanto mergulha. Acho que sabia que eu estava olhando seus atributos. Está se adiantando no mar. Vejo o homem de vermelho com um binóculo torcendo para precisar ir buscá-la. Somos concorrentes. Eu também sei nadar e vou chegar primeiro. Preciso de um momento desses para me tornar seu herói. Trazê-la nos braços, sentir seu calor no meu peito, estirar suas coxas na areia, acompanhá-la para o hospital e, depois de ela recuperada, falar do meu amor à primeira vista. Fico atento para colocar em prática meu plano. Ela está contribuindo para que ele se realize. Vai dar certo.
Nadou para mais longe. Ali já é bastante profundo, eu conheço esse mar. Estou sem boia. Nem sei se vai dar certo. Fico olhando o bombeiro. Ele está em vantagem. Tem a boia e o preparo para encarar aquele mar revolto. Vejo a princesa levantar a mão. Quer que eu vá, mas é ele que adentra ao oceano. Vai vencendo as ondas com sua prancha e seus quase dois metros de músculos. Eu fico na praia. Não deu para concorrer. Ele vai lhe pedir em casamento depois de salvá-la, tenho quase certeza. Quando ela chegar à terra vai me lançar um olhar de desprezo, e, então, terei memórias frustrantes para remoer nas minhas noites de insônia, o resto da vida.
As pessoas se aglomeram na praia para ver a façanha daquele herói. Eu estou disperso e triste no meio da multidão. Lamento não ter feito o curso de bombeiro. Seria eu o autor do feito heroico. Ele a segura pela mão. Está tentando colocá-la na prancha. Os banhistas aplaudem. Dentro de mim aqueles aplausos voltam em forma de vaia. Não consigo aguentar tamanha humilhação. Preparo-me para sair e vejo ele cair na água. Os dois se debatem. Seus braços em rápidos movimentos pedem por ajuda. Não restam dúvidas que precisam de um novo herói. O biquini e a camisa se misturam com a cor da água. Que pena! Não pude salvá-los das orcas assassinas.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Santa Cruz/RN, 21/08/2021 – 10:29
Muito boa, Heraldo. O primeiro parágrafo ficou excelente. - Gilberto Cardoso dos Santos
ResponderExcluirDesfecho surpreendente, característica dos bons escritores.
ResponderExcluirObrigado Nailson...
ExcluirObrigado Gilberto...
ResponderExcluir