sábado, 10 de julho de 2021

MUDANÇAS IMPOSSÍVEIS - Heraldo Lins

 



MUDANÇAS IMPOSSÍVEIS 

  

Abri minha caixa de guardar sonhos. Havia muito tempo que eu lá não mexia. Encontrei os sonhos de criança totalmente abandonados. Espantei a ingenuidade e fui revê-los um a um. As imagens do que havia pensado naquela criancice permaneciam as mesmas. Um era o de voar como super-homem. Ver papai Noel era outro. Morrer sem sentir dor, mais um. Neste último não havia a poeira da ingenuidade. Vasculhei os outros, mas estavam em branco, sinal de que a realidade despertada logo cedo causou estragos irreparáveis. 


Permaneci com eles nas mãos. Como sou pobre de sonhos, pensei. Quase todos mortos pelo pensamento do fim inevitável. Reagi imediatamente procurando vestígio de uma solução para a minha pobreza. Vasculhei o cérebro em busca de algum argumento que fizesse aflorar os que haviam sido assassinados. 


Tentei mentir para mim, mas não funcionou. Teria que mudar toda a logística neuronal para acreditar em fantasias. Isso trouxe-me outra preocupação: isso mudaria a realidade? Dizem alguns que a realidade é aquilo que construímos. Independente de fantasiar ou não, a realidade existe. Não há como se enganar. A própria consciência apita na curva da mentira, seja no sono ou no silêncio da alma. 


Mas para que eu quero sonhos se independente deles se vive ou se morre? São apenas acessórios que levam junto o entusiasmo, a alegria e a esperança. Fechei a caixa de sonhos e fui para a caixa da raiva. 


Lá estavam as raivas provenientes dos sonhos não realizados. Eram centenas de milhões delas. Comecei a fazer a interligação e percebi que os sonhos foram apagados pelo excesso de ódio e pela tristeza causada pela incapacidade de realizá-los. São interligações imperceptíveis no momento que se está acessando o descontrole da emoção. 


Adiantei a pesquisa trazendo-a para a atualidade e percebi que havia alguns em processo de dissolução. Fechei a caixa da raiva e fiquei pensando o que fazer. Se não ter sonhos me importunava, o melhor era trabalhar para que, no mínimo, não fossem destruídos logo que criados. A solução seria não mais sentir raiva, para isso teria que jogar fora a caixa da raiva. Diante dessa descoberta, parti para executar o planejado. Joguei a caixa fora e poucos minutos depois ela voltou voando como o super-homem. Novamente, e de repente um velhinho a trouxe de volta. Irado, percebi que era mais conveniente jogar fora a caixa dos sonhos do que a da raiva. Deixar de sonhar é mais fácil do que deixar de sentir ódio. Assim fiz, com muita raiva.                   




Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 27/06/2021 – 00:18

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