AS
AMARGAS, NÃO
Diogenes da Cunha Lima
Tive
uma resposta única para a censura amiga que recebi sobre as biografias que escrevi.
Na de Ronaldo Cunha Lima não há menção aos tiros que ele deu no ex-governador
Tarcísio Burity. Não fiz referência às derrotas políticas de Dinarte Mariz e
Djalma Marinho. Nem uma palavra sobre o sofrimento de Dom Nivaldo Monte causado
por ingratidão. É que eu aprendi com o professor de vida Álvaro Moreyra (1888 -
1964): As Amargas, Não.
Aprendi com ele que biografia deve exaltar virtudes
e acontecimentos vitais singulares. Na verdade, contei, em “O Magnífico –
Uma biografia de Onofre Lopes”, que o biografado, trabalhando no campo com seu
pai, era vítima diária de formigas pretas. Mas ele revelou que, graças a elas,
chegou a ser o Reitor Magnífico.
Álvaro
foi batizado, como os príncipes, com nove nomes. Aboliu sete e trocou o “i” pela
letra “y” em Moreyra. Poeta, jornalista, cronista, é escritor de livros que
maravilham os seus poucos leitores de hoje. Era admirado por Carlos Drummond, que disse
serem os seus textos deliciosos.
Perguntei
a um amigo (o genial poeta e tradutor Ivo Barroso) se tinha alguma lembrança deste
a quem me refiro. Respondeu-me que ele podia ser visto na Livraria Freitas
Bastos, no Largo da Carioca. Na época, década de trinta, Álvaro Moreyra estava fazendo,
vagarosamente, a tradução de “Os Moedeiros Falsos”, de Gide, uma preciosidade,
publicada em 1939. Dirigia, também, com Brício de Abreu uma revista literária sem-par,
a “Dom Casmurro”, que teve três edições.
Ele exaltava
sempre o lado bom da vida. Era o marido feliz de Eugênia, que chamava a atenção
por, em bares, beber cerveja e fumar charuto. Afinal de contas ele sabia que amores
perfeitos só existem nos jardins.
Álvaro
Moreyra foi o frasista admirável e admirado. Para ele, a felicidade é uma colcha
de retalhos que se deve compor com alegrias miúdas, prazeres e ilusões. E ainda
boas lembranças e esperança.
Múcio
Leão, que o recepcionou na Academia Brasileira de Letras, anotou seu lirismo: “Não
é a lua que importa, é o luar”. O humor: “O tempo é o ganha-pão dos historiadores,
dos filósofos e dos relojoeiros”. Confissão: “Eu tenho pena do meu anjo da guarda”.
Sobre o dever do teatro: “Eu queria um teatro que fizesse sorrir, que fizesse
pensar”. A vivência: “Eternidade é a vida de cada um. Na vida de cada um, quantas
eternidades”.
O seu
livro mais conhecido - “As Amargas, Não” - é memorialístico, seria autobiografia
em pedaços se o leitor os unisse.
A lição
mais importante é viver as lembranças boas. Nesses ásperos tempos da
pandemia, convém imitá-lo. Que os familiares e amigos não fiquem lembrando a
perda precoce dos entes queridos. Recordar, sim, o privilégio de ter tido com
eles a convivência amada. Procurar imitar o sentimento poético, porque para um
poeta o paraíso nunca será o paraíso perdido.
Álvaro,
contraditório, era esquerdista e adorava Deus. Entendeu injustas suas nove
prisões por pensar diferente. Melhor foi, então, encaminhá-las ao esquecimento.
No confinamento a que somos submetidos, a obra de Álvaro Moreyra é um consolo, um
norte para a dúvida, uma luz de esperança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”