PREFERENCIAL
(MACIEL
SOUZA)
Muito se fala da terceira idade e no meu
caso em particular está chegando sorrateiramente. Os que me rodeiam são os que
mais sinalizam. Outro dia tropecei na rua, nem cheguei a catar cavaco, mas
justamente um senhor idoso bradou de modo vingativo, com satisfação aparente,
lavando a alma: Tu cai, Véi!
Embalado para os sessenta, já comecei a
aceitar e “naturalizar” o que é natural, mas acredito que estão antecipando,
embora reconheço que a capa sem o esforço do marketing pra desviar o foco,
queira ou não, honestamente denuncia até como estamos por dentro.
Na fila do Banco, começa a gastura:
- Senhor, sua fila é aquela!
- Não moça, ainda não tenho sessenta anos!
- Mas vá que passa!
Em Natal, peguei um coletivo, entreguei ao
motorista uma nota de dez reais, na expectativa de receber cinco reais e
cinquenta centavos de troco e, no sufoco da fila, ele pediu minha identidade,
RG:
- Não entendi!
- Deixa pra lá.
Entregou-me o troco e só depois a ficha
caiu: ele julgou procedente que eu já seria sexagenário e me faria justiça
concedendo o direito da passagem gratuita. Para evitar mal entendido, na volta,
já me adiantei:
- Ainda não tenho sessenta anos! Desta vez o
motorista, jovem ainda, enquanto catava moedas para o troco de cinco reais, sem
certificação nenhuma, respondeu com um sorriso soberano:
- Mais tá perto!
Semana passada entrei numa loja a fim de
adquirir duas pilhas para controle remoto. Pedi informações ao vendedor que
confirmou ter no caixa. Fui pra lá, havia dois deles e um segurança do lado. O
segurança me observava, não entendendo, talvez, por que um senhor estava ali,
se não tinha um produto nas mãos, uma cestinha do lado, nem empurrava um
carrinho, mas, novamente, só depois foi que a ficha caiu: a leitura do
segurança certamente resultou numa interpretação equivocada, se do modo como me
apresentei estava mesmo esquisito. Neste caso, idade não faz diferença,
refiro-me ao fato de se tornar um suspeito em potencial, mas os neurônios que
fui perdendo até chegar ali, certamente fazem, até para forçar uma comunicação
ágil e produtiva.
Um dos caixas atendia uma senhora e o outro
estava livre:
- Posso ir para aquele caixa?
- Não! O preferencial é este! Aguarde a
senhora que está sendo atendida! Senti-me duplamente prejudicado com sua ordem:
primeiro, porque não precisava ser atendido na fila preferencial; segundo,
porque se o objetivo deste tipo de atendimento é agilizar para idosos ou
pessoas com comorbidades, se um caixa está livre, por que penalizar estas
pessoas? Ou eu, especificamente, estaria sendo punido? Outra hipótese, é que o
segurança não queria que eu me distanciasse, já que ele ficava bem mais próximo
da fila dos velhinhos.
Enfim, contrariando o segurança e
confirmando minhas suposições, a moça do caixa livre me chamou e já fui vendo a
mercadoria que queria adquirir:
- Será que você consegue pra mim duas dessas
pilhas?
- Não!
Criou-se mais um clima ruim porque ela
demorou segundos para se justificar:
- É que só podemos vender a cartela com
quatro.
Desta vez fui rápido em me lembrar de Celso
Russomanno que fez a vendedora fatiar um maço de caixa de fósforo e se a
conversa prolongasse ela teria vendido palitos.
- Eu quero! Fechamos a negociação em cinco
reais e setenta centavos e fui embora para alívio de todos nós.
Vez por outra sou pego contrastando com o
passado, lembrando de um tempo em que não se falava, eu não sabia e não
questionava se era o preferencial, nem quando colava em alguma messalina, num
beco escuro com cheiro de mijo. Havia apenas rumores de que a AIDS estava na
África e para chegar aqui não foi na velocidade da Covid-19. Não existiam ainda
exames de DNA, nem percentual ou possibilidade de acerto, a não ser quando o
menino era “cagado e cuspido” e naqueles dias a minha cabeleira pesava a meu
favor.
Hoje, mediante as cobranças, dizer que já me
aposentei de um vínculo tranquiliza meu interlocutor, torna-me mais leve neste
à parte e virou mimo.
Caro Maciel, sua bem humorada crônica nos faz refletir sobre a melhor maneira de encarar a terceira idade. Desse modo, vc viverá a melhor idade, como se diz. Bem nos alertou Elbert Hubbard: "Para que levar a vida a sério? Você não vai sair vivo dela mesmo."
ResponderExcluirExcelente crônica professor Maciel. Leve na maciota para fazer jus ao seu nome. Eu, bem próximo dos 52, ainda ouço o "É o menino de Quinca". Mas começa a rarear, como os meus cabelos castanhos que estão cada vez mais prateados.
ResponderExcluirDo amigo, Marcos Cavalcanti
Pelo descrição do professor Marcial, não estão facilitando em nada a vida dos idosos, eu que o diga. Vamos ter fé, vai melhorar! Kkkkkkk
ResponderExcluirExcelente crônica, meu amigo! Eu já tenho 6 ponto 1 e já sinto também algumas limitações físicas, mas estou seguindo em pé, ainda, até quando Deus quiser!
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