O DIREITO DE PENSAR DIFERENTE
Esta semana a recepcionista evitou me dar um bom dia. Passei pelo balcão e ela fingiu estar limpando a janela. Desviou-se do seu lugar costumeiro, e deixou-me sem opção para cumprimentá-la. Saí um pouco do prumo por ser autista. Faço tudo do mesmo jeito todos os dias. Quando foge um pouco do habitual sinto necessidade de passar a noite em claro avaliando a situação. Acho mil motivos para justificar os acontecimentos desfavoráveis. No caso dela, penso que foi porque a lua ficou cheia, e pessoas perturbadas não se dão bem em noites enluaradas. Tiro isso por mim. Quando vejo que está na hora de me transformar em lobisomem, tranco-me na jaula e deixo os afazeres para o dia seguinte. Minha vontade é estraçalhar quem está por perto. O governo ficou sabendo que tenho esse distúrbio. Veio me convocar para matar trinta mil pessoas durante quatro anos, mas eu disse que era muito pouco. Preferi mandar meu primo que se transforma em vírus. Ele está se deleitando com as novas ordens porque já superou o planejamento inicial.
Minha preocupação com a lua cheia é muito grande. Fico vigiando o calendário para saber tudo sobre ela, inclusive, vi em uma revista de fofoca sideral que o sol morre de inveja porque a lua tem a capacidade de inspirar as pessoas. Foi no período de lua cheia que Brutus matou césar, Hither invadiu a Polônia e minha mãe obrigou-me a tomar banho. Vem daí minha aversão por água e por lua. Gosto mais de cerveja, refrigerante e injeção. O pior da água é essa capacidade de ficar fria exatamente quando a gente vai tomar banho. Passa o dia quente e, quando menos se espera, congela.
Nesse período de lua cheia há muitas superstições: se a pessoa for gerada durante o dia nasce homem; criança do sexo feminino só se for gerada por volta das vinte e duas horas. São essas e outras simpatias que fazem a lua ser perturbadora. Quando eu era menino disseram-me que a lua era um pedaço de queijo pendurado no céu. As estrelas, os olhos dos ratos querendo comê-la. Eu acordava de madrugada para ver se já haviam comido. Ainda hoje desconfio que seja isso mesmo.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 10/02/2021 – 15:15
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