terça-feira, 30 de março de 2021

ELA FALA ATÉ PELOS OUVIDOS - Heraldo Lins

 


ELA FALA ATÉ PELOS OUVIDOS


A compulsiva disse-me: vamos apostar como eu tenho dez panelas de pressão lá em casa? Tudo bem! Respondi-lhe. Olhou para o marido e continuou: vamos comprar mais uma de catorze litros, não é amor? Nosso sonho será realizado no próximo mês! Ele entrega todo o salário para ver a mulher feliz... comprando. A última crise do casal se deu por falta de folga no cartão de crédito para pedir uma pizza. Na semana do aniversário de casamento ela não conteve as lágrimas pela falta de uma de muçarela. Quando viaja, o mês inteiro é falando da visita que fez ao interior, com tanta ênfase, que parece ter ido fazer um cruzeiro no mar do Caribe. Os colegas de trabalho fogem do blá blá dela. Tudo é motivo para comentários. O cafezinho servido na repartição não chega nem perto ao da tia dela saboreado no sítio de quatro hectares que ela chama de fazenda.


Entre sapatos e sandálias ela possui cem pares. Não sei onde encontra tantas panelas e sapatos para comprarem. O resultado das panelas dá para ser notado na cintura estufada. Ambos adoram gente gorda. A cultura da idade média prevalece naquele ambiente familiar. Cuscuz, ovos e pirão faz, misturado com pão, parte da dieta saudável, segundo o casal. 


Além de compulsiva ela também é amostrada. Tudo dela é o melhor, e até nas doenças ela encontra uma forma de ser superior. Se alguém se queixa de uma dor nas costas ela diz que sofre de escoliose e que para poder dormir bem usa o cimento frio da sala. Dói-lhe todo o corpo. Basta falar de algo que ela começa os discursos intermináveis. Consegue dar prosseguimento a um simples bom dia. Se alguém entra no elevador ela desce com a pessoa e sai acompanhando-a dando asas ao assunto. 


Já tentou se internar várias vezes com covid-19, mesmo diante dos testes negativos. Adora estar na moda, e nem usa máscara visando pegar a doença. Mas não tem jeito. Está saudável. Mas isso não é motivo para ela desanimar. Fica registrando quantas mortes aconteceram. Quando alguém da família é contaminado ela espalha a notícia com mais de mil. Tudo ela sabe. Não sei onde consegue tanta informação. 


Um dia desses a irmã dela, casada comigo, passaram quatro horas ao telefone. Quando terminaram o bate papo perguntei-lhe quais as novidades. Recebi como resposta: nenhuma... era Beatriz querendo saber se eu havia comprado queijo na promoção.  



Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 25/03/2021 –14:33

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