sábado, 13 de fevereiro de 2021

O GIRO DA RODA EMPENADA - Heraldo Lins

 


O GIRO DA RODA EMPENADA



Ainda bem que os policiais me tiraram do cativeiro. Estava quase morrendo com sede e fome dentro do tambor que meu pai me colocou dentro. Minha situação estava difícil. O sol me maltratava e a chuva também. Ainda bem que fui visto pelo vizinho que providenciou a minha saída daquele lugar. Meu pai fez isso comigo para me educar, disse ele na delegacia. Nunca pensei que a sala de aula no Brasil havia se transformado em um tambor. Mas tudo bem. Acredito que meu pai não acredita que sou seu filho legítimo. Minha mãe é viciada em entorpecentes, e fica com quem lhe oferece drogas. Sabe Deus que nessas idas e vindas, literalmente, eu fui gerado fora da cama de pai. Não tenho culpa disso ter acontecido. Eu era apenas um espermatozoide que fazia natação uma vez por semana no clube do útero. Por acaso encontrei o óvulo e passamos a conviver. Sei que as pessoas vão ficar me discriminando porque eu escolhi um óvulo e não uma “óvula”, mas a vida é assim mesmo. Vamos nos adaptando ao que nos é apresentado. Depois que saí do cativeiro tornei-me campeão de audiência. Os programas sensacionalistas arrecadaram brinquedos e nem perguntaram o que eu quero. Brinquedos que não servem mais para minha idade. Já sou um adulto com onze anos. Os dias acorrentados me amadureceram trinta. Conheço a maldade humana desde os três. Meu curso durou oito, e oito anos de experiência é um bom tempo. Quero um trabalho digno de presidente da república ou de ministro do Supremo Tribunal Federal. Seja lá o que for desde que tenha uma boa sombra. Se for um cargo em Brasília vou ficar aprisionado pela burocracia, mas é menos doloroso. Lá no tambor quem me visitava eram os ratos e as baratas. Se eu for trabalhar no congresso... acredito que será diferente.

 

Enquanto estou sendo bem tratado para ser apresentável em salas de entrevistas, fico dormindo o sono desviado durante meu penar. Estarei nutrido daqui a três meses e então serei visto como um privilegiado. Dirão que estou me aproveitando de uma situação que foi arquitetada pelo meu comportamento agitado. Serei abandonado, quando se acostumarem com meu drama. Para comer terei que roubar ou matar, e voltarei para um outro tambor, dessa vez, com sombra e grades por todos os lados.         

 



 

Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 10/02/2021 – 14:43

showdemamulengos@gmail.com

84-99973-4114

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”