O GIRO DA RODA EMPENADA
Ainda bem que os policiais me tiraram
do cativeiro. Estava quase morrendo com sede e fome dentro do tambor que meu
pai me colocou dentro. Minha situação estava difícil. O sol me maltratava e a
chuva também. Ainda bem que fui visto pelo vizinho que providenciou a minha
saída daquele lugar. Meu pai fez isso comigo para me educar, disse ele na
delegacia. Nunca pensei que a sala de aula no Brasil havia se transformado em
um tambor. Mas tudo bem. Acredito que meu pai não acredita que sou seu filho
legítimo. Minha mãe é viciada em entorpecentes, e fica com quem lhe oferece
drogas. Sabe Deus que nessas idas e vindas, literalmente, eu fui gerado fora da
cama de pai. Não tenho culpa disso ter acontecido. Eu era apenas um
espermatozoide que fazia natação uma vez por semana no clube do útero. Por
acaso encontrei o óvulo e passamos a conviver. Sei que as pessoas vão ficar me
discriminando porque eu escolhi um óvulo e não uma “óvula”, mas a vida é assim
mesmo. Vamos nos adaptando ao que nos é apresentado. Depois que saí do
cativeiro tornei-me campeão de audiência. Os programas sensacionalistas
arrecadaram brinquedos e nem perguntaram o que eu quero. Brinquedos que não
servem mais para minha idade. Já sou um adulto com onze anos. Os dias acorrentados
me amadureceram trinta. Conheço a maldade humana desde os três. Meu curso durou
oito, e oito anos de experiência é um bom tempo. Quero um trabalho digno de
presidente da república ou de ministro do Supremo Tribunal Federal. Seja lá o
que for desde que tenha uma boa sombra. Se for um cargo em Brasília vou ficar
aprisionado pela burocracia, mas é menos doloroso. Lá no tambor quem me
visitava eram os ratos e as baratas. Se eu for trabalhar no congresso...
acredito que será diferente.
Enquanto estou sendo bem tratado para
ser apresentável em salas de entrevistas, fico dormindo o sono desviado durante
meu penar. Estarei nutrido daqui a três meses e então serei visto como um
privilegiado. Dirão que estou me aproveitando de uma situação que foi arquitetada
pelo meu comportamento agitado. Serei abandonado, quando se acostumarem com meu
drama. Para comer terei que roubar ou matar, e voltarei para um outro tambor,
dessa vez, com sombra e grades por todos os lados.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 10/02/2021 – 14:43
84-99973-4114
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