E SE NÃO SOBRAR NINGUÉM?
Deixar tudo para última hora é costume dos irresponsáveis. Meu amigo deixou de fazer o testamento no prazo estipulado e quando chegou o momento da partida ele havia esquecido os imóveis do último casamento. Procurava nas gavetas e a morte ao seu lado afiando a foice. Cada minuto a mais do prazo a morte matava uma pessoa próxima. Quando acabou a lista dos amigos entrou nos filhos, irmãos, tios... todos passeando no fio da foice. Quando ele percebeu que só seria morto após achar as escrituras, começou a procurá-las dentro do forno, embaixo da pia, dentro do sanitário, lugares que jamais ele, mesmo sendo irresponsável, iria colocá-las. Chamou um taxi para ir ao outro apartamento ver se as encontrava. Antes de sair, pediu à morte para matar o motorista em troca do próximo minuto. Ela lhe obedeceu. Ele foi dirigindo com a morte ao lado lambendo o sangue da foice. No caminho passou perto de um luxuoso iate. Estacionou e foi falar com o proprietário que estava de saída para alto mar. Conversando, pediu à morte para tirá-lo do caminho pois havia decidido navegar um pouco. Pedido atendido, encontrou no interior da embarcação o filho do proprietário com uma modelo. Ficou com a mulher e o rapaz engasgou-se com o drinque. Passearam bastante tempo enquanto em terra firme, outros faleciam. Entediado, encostou no cais e partiu para saborear os mais diversos pratos internacionais. Pedia a comida e quando chegava a hora de quitar a dívida, o caixa era morto. Ele saía de fininho. Por onde passava deixava um rastro de cadáveres. Depois de usufruir todas as riquezas existentes no planeta, morreu de solidão.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 25/01/2021 – 16:47
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