BOATARIA DÁ DINHEIRO
Zé Areia bota defeito em tudo. Se
alguém diz bom dia, ele responde: nem tanto! Está sempre do lado do contra. Ele
não faz projeto nem constrói nada exatamente para evitar as desforras. Sua
filha está começando a namorar, perguntaram-lhe: Zé, e se o namorado mexer com
sua filha, o que você faz? Ela é quem mexe com ele, diz Zé sem pestanejar.
Ninguém pega Zé Areia desprevenido. Na separação da Lady Diana ele disse que
Charles havia feito péssima escolha em casar-se com uma mulher daquela. Na
opinião dele, Charles é um príncipe com sangue azul e por isso teria que se dar
mais valor. Lady não o merecia. Zé é do contra mesmo.
Estava eu construindo uma casa e Zé Areia
se aproximou. Antes de dizer algo, eu apontei para a outra ao lado e disse: Zé,
a de dar pitaco é essa aí ao lado. Aqui eu vou construir do meu jeito. Deixei
ir dizendo como deveria ser construída, e depois de desmanchar várias vezes não
consegui terminá-la. Mas ele diz que a culpa é do pedreiro que não entende o
que ele diz.
Criei uma empresa para vender ideias.
A pessoa quer saber como aplicar seu dinheiro e eu mostro os caminhos. Zé foi
convidado para auxiliar-me. Ele disse que o ideal seria investir em fakes. Uma
empresa onde só se produziria notícias falsas faria muito sucesso. Tipo: o
presidente vai sofrer impeachment, o dólar vai baixar e a gasolina também, as
mulheres bonitas procuram homens feios e pobres para casarem-se, refrigerante é
bom para a saúde... eu achei a ideia ótima, e passei a investir no negócio.
Percebi logo que o bom da notícia
falsa é que não se precisa sair de casa para checar sua veracidade. Elas são
criadas do nada para mexer com o imaginário do leitor. O jornal tinha como
título “os últimos boatos”. Foi sucesso de vendas quando publiquei na primeira
edição que o Covid-19 não passava de uma gripezinha. Mesmo o pessoal sabendo
que era mentira nos aplaudiram, e ganhamos vários prêmios por isso. Publiquei
outro boato dizendo que o congresso havia votado uma lei em que os
trabalhadores iriam ganhar tanto quanto um deputado Federal. Esgotaram-se os
jornais, e na versão on-line houve milhões de acessos. Outra notícia em
destaque foi de que qualquer pessoa doente poderia procurar um hospital e ser
tratado sem pagar nada. Independente da doença teria total assistência médica.
Se quisesse poderia chamar o médico em sua casa. Os velhinhos gastaram todo o
restante da aposentadoria comprando as edições. Sim, porque como vi que era um
boato que agradava a muitos, resolvi criar uma série sobre o tema. Um dia eu
criei um nome fictício para entrevistá-lo. Eu fazia as perguntas e eu mesmo
respondia com outro nome. Teve uma que perguntei: como o senhor conseguiu
chegar ao hospital próximo da sua casa, com uma facada no coração e a metade do
cérebro destruído por um tiro de escopeta? Isso trouxe dramaticidade ao leitor.
Eu, travestido de entrevistado, respondi: os hospitais agora têm, além de ambulâncias
disponíveis, leitos sobrando. Mas por isso o senhor sobreviveu? Não, eu morri e
estou agora falando do além. Essa foi a edição que mais vendeu.
Heraldo
Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Sanrta
Cruz/RN, 16/01/2021 – 15:21
84-99973-4114
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