VEGETAÇÃO ARTÍSTICA
Estava eu catando mangas quando vi o morador do sítio ao lado carregando um galão d'água nas costas. Para mim uma imagem poética, para ele, uma tortura. Até as mangas acharam graça da minha ingenuidade. Carregar algo nas costas nunca foi e nem nunca será poético, disseram elas. Fiquei preocupado com minha falta de inteligência para entender o que é poético. Umas simples frutas que nasceram há quinze dias já sabem, e eu não!? Na verdade eu nem sabia que frutas sabiam de alguma coisa. Acreditava eu que elas só serviam para serem consumidas. Ledo engano. Elas também fofocam na feira. Prestei atenção e pude gravar elas conversando: lá vem aquela mulher chata. Fica só nos apalpando e não compra. Pior é aquele velhote ali. Só cheira, cheira e depois me larga. Não suporto aquele bigode. Parece que vive chupando maracujá de tão amarelo que é. Eu não tolero são os dedos médio e polegar que ele usa para olhar se estou madura, disse, constrangida, a melancia. Perguntei a elas se era poesia falar de forma figurada sobre a procriação das frutas, e elas disseram que isso era frutaria, menos poesia. Observando com mais cuidado pude perceber que não só as frutas conversam entre elas, mas a banca também emite suas opiniões. E são opiniões bem mal-humoradas, tipo: lá vem vocês novamente para cima de mim. Toda semana é a mesma coisa. Arma, desarma, prega, desprega. Estou toda desconjuntada. Essas frutinhas chegam logo cedo, ficam aí esnobando suas cores, melam-me com seus sucos, depois vão embora e nem agradecem. Da próxima vez eu não venho. Quero ver todas, em cima de uma lona rasgada, jogadas ao sol. Vou ficar bem satisfeita se isso acontecer. As frutas revidaram em alvoroço: Você é quem deve nos agradecer. Se a produção diminuir você não vem mais para a feira. Nós podemos até ficar no ar condicionado dos supermercados, e você, sua banca de feira livre, não sabe nem o que é uma gôndola. É lá que meus primos ricos ficam. Já até me chamaram mas eu que não quero, entendeu!? Passam a feira toda nessa discussão. Algumas voltam revoltadas para seus caixotes. As vendidas acreditam que irão para o bem bom. Nem sonham que serão cortadas e trituradas. Sua pele e órgãos internos irão servir para adubar a terra. Seu precioso sangue congelado e, posteriormente, transformado em suco. Sabem tudo sobre poesia, mas nada sobre o futuro trágico.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Santa Cruz/RN, Brasil, 13/12/2020
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