quinta-feira, 14 de maio de 2020

O Poeta e o Tempo - Maria Goretti Borges



O Poeta e o Tempo

Tempo e poesia se combinam muito bem, uma imbricação perfeita! O poeta e o tempo Inebriam a todos versando em poesia um diálogo majestoso. O poeta tenta colocar no tempo os versos que no seu tempo cabem, e o tempo finge adaptar-se ao poeta e aos seus versos e até sorri.  Vejamos então o Aldir Blanc, com a canção intitulada - Resposta ao Tempo: ”ouvi batidas na porta da frente é o tempo”. Depois de um lindo diálogo, inicialmente tímido, Aldir dá a volta no tempo. Imaginem só, o tempo se corrói com inveja de mim, disse o poeta. E concluiu: no fundo é uma eterna criança que não soube amadurecer, eu posso, ele não vai poder me esquecer. No tempo de Aldir, os acontecimentos adormecem, perdem a sua dinâmica, enrijecem, ficam aprisionados, o tempo vigia querendo aprender, e ele, o poeta, se liberta, desperta, morre de amor, passeia no tempo.

“Por seres tão inventivo e pareceres continuo tempo, tempo, tempo, tempo és um dos deuses mais lindos tempo, tempo, tempo, tempo” (Caetano Veloso), Oração ao Tempo. Nos versos do poeta percebe-se uma rendição completa ao senhor tempo! Espelho do filho, compositor de destinos, inventivo, belo, movimento preciso, confidente. O tempo é passado e presente, senhor e criança, tempo contínuo e reflexo.

Em Tempo Rei, Gilberto Gil não se ilude: não me iludo/ tudo permanecerá do jeito que tem sido/ transcorrendo/ transformando.  O tempo se associa ao espaço e navega em todos os sentidos, tem o poder de transformar as velhas formas do viver. Tudo poderá estar por um segundo, sabedoria dada pelo tempo, sabedoria das mães velhas, uma interação do homem com o tempo.

Em tempos de pandemia, como estamos lidando com o tempo? Fazendo um paralelo entre o sol e o tempo, me vem o sentido de movimento atrelado ao sol. Ele nasce, fica alto, fica baixo, se põe! Quando de fato, o sol continua inerte. Todos esses movimentos são imaginários e necessários ao nosso cotidiano. “O sol que atravessa essa estrada que nunca passou” (Caetano Veloso). Quem atravessa a estrada somos nós, o sol nos observa. O sol está tão presente e altivo que confundimos nossos movimentos, atribuindo-lhe funções que não são suas. O sol se apresenta para nós também como referencial de tempo e localização. “Um galo sozinho não tece uma manhã”- tudo é uma questão de crença, um galo precisa confiar no outro. Minha filha quando criança, sentia dificuldade de entender o significado da palavra amanhã. “Amanhã é quando eu dormir?” isso mesmo, amanhã é quando você dormir! É difícil explicar para uma criança que não existe amanhã. O amanhã será sempre uma incógnita, hoje mais que nunca. Assim como o sol, o tempo também adquire mobilidade no nosso dia a dia. O tempo é passado, é presente e é futuro, esses são também os tempos do verbo. Conjuguemos.

O cantor, compositor e músico Belchior, em seus versos, nos faz lembrar que “o novo sempre vem” e Lulu Santos nos adverte que “nada será de novo do jeito que já foi um dia”.  Recordo-me de meses atrás lendo um comunicado para os pais, estava escrito: não é permitido uso de celular em sala de aula. Apesar desse comunicado, os alunos sempre resistiram, eles estão no tempo presente! Hoje, imploramos para que esses mesmos alunos se utilizem de seus celulares para exatamente terem as aulas que o tempo presente exige e interagirem com seus professores. Parabéns, estudantes. Vocês são de vanguarda, rebeldia necessária. Cada um conjuga o verbo no seu tempo, essa é a era das novas tecnologias. Nós, me refiro à maioria dos educadores, estávamos no tempo passado. O passado tem a sua importância, mas também aprisiona. Estejamos atentos para perceber quando o “passado é uma roupa que não nos cabe mais”.

Na reinvenção da escola para as necessidades do tempo presente, em nenhum momento foi questionada a capacidade de adaptação do estudante. Questionou-se outros aspectos, como: acesso à internet, um computador que respondesse a suas demandas, um espaço físico adequado para a aprendizagem. Enquanto do outro lado, foi necessária uma adaptação, uma capacitação para uma adequação satisfatória à pedagogia digital. São apenas constatações que merecem algumas reflexões sobre o tempo do outro. 

Nesse período de distanciamento social ouve-se muito, em relação ao tempo, a ideia de paralisação, modo avião, stand by. A percepção do tempo é muito particular, mas uma coisa é certa, o tempo não para e nem espera, mesmo numa pandemia. Cabe a cada um de nós ressignificar o nosso tempo, tirar o pé do atoleiro, dialogar com as pessoas do presente, a palavra é: conexão. O tempo é histórico, não existe tempo melhor ou pior, existe o tempo para ser percebido e ser vivido.

No tempo presente, aparentemente adormecido, muito está sendo feito, uma verdadeira ebulição. As pessoas estão remontando o seu tempo e seus projetos de vida. Passado o período pandêmico e consequentemente vier o despertar, perceberemos o quão adiante estamos. Com qual velocidade iremos nos movimentar para acompanhar esse tempo, uma correnteza submersa? Fazendo uma releitura de Mateus 16:25, aquele que se fechar no tempo para justificar os seus atos atrelados ao passado perderá o bondinho da vez e amargará a desilusão pelo equívoco de achar que é senhor do seu tempo, será tragado por não compreender essa dialética. “Todos os dias/ antes de dormir/ lembro e esqueço/ como foi o dia/ sempre em frente/ não temos tempo a perder” (Renato Russo).






6 comentários:

  1. Que lindo!!!! Houve um deleite por aq... literalmente em ebulição como você mesma falou. Parabéns pelas belíssimas palavras! 👏👏👏👏👏

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  2. Extraordinário texto; lucidez, filosofia, poesia, espiritualidade, com apurada epistemologia de incentivo ao enfrentamento da realidade com inteligência e capacidade inventiva. Excelente, ilustre professora Maria Goretti

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  3. Muito obrigada, ilustre professor!

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  4. Maria Goretti Borges, o seu texto o Poeta e o Tempo é primoroso. Sugiro que tente publicá-lo na Tribuna do Norte. Merece ser lido por muitos! Você filosofa cantando e é muito bom ouvir e meditar em cada palavra!

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  5. Maria Goretti Borges de Oliveira29 de maio de 2020 às 08:20

    Muito obrigada, Marcos!

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