Mudança: Pontos e Contrapontos
Por: Maria Goretti Borges
Ao longo da história,
o mundo nos foi apresentado de diversas formas, ora em caixinhas, ora em
blocos, ora num todo. O mapa vai se configurando e tomando contornos mais
nítidos a partir do discurso. Compreender a lógica do contexto e as entrelinhas
do discurso, dentre outros fatores, é uma condição importante na análise do processo
de mudança.
O discurso da mudança
é também o discurso da contraposição, da tomada de decisões, das rupturas, inclusive
internas. Não é possível analisar e compreender o todo sem as partes e
vice-versa. Toda mudança requer coragem, desprendimento, consciência do eu e do
outro – empatia! Nessa dinâmica, o contexto tem um superpoder, é o fiel da balança.
É no processo e no contexto que o sujeito se revela.
O filme “O poço”
retrata um lugar, prisão, onde pessoas com os mais diversos pecados (culpas) iriam
para expurgá-los e consequentemente tornarem-se pessoas melhores. No entanto, essas
pessoas mesmo coabitando um único espaço, sofrendo dos mesmos males, não se
apiedam umas das outras, nem buscam soluções para seus problemas, pelo
contrário, tornam-se cada vez mais miseráveis de si mesmas e do contexto. O
sofrimento não as purifica. Com a chegada do personagem Goreng, com
questionamentos e análises diversas, a trama vai tomando outros contornos.
Os modelos de sociedade no quais
estamos inseridos são cruéis e podem aniquilar a nossa percepção da necessidade
da unidade, do entendimento do todo. Os discursos reproduzidos diariamente pelos
meios de comunicação a serviço do capital, inebriam e entorpecem, e assim as
possibilidades de mudança vão se tornando cada vez mais irreais.
No contexto da globalização econômica, a China surge como um exemplo de
produção com o menor custo (reserva de mão de obra) fortalecendo o mercado
competitivo. A China passa a dominar os mercados consumidores e nos quatro
cantos do planeta, inclusive no Brasil, encontramos produtos com a etiqueta made in China.
Com o advento do novo Coronavírus,
Eduardo Bolsonaro preocupado com os holofotes desfocados de seu clã, exatamente
por não entender de saúde pública, dentre tantos outros assuntos, volta-se
contra a China, chamando a Covid-19 de “vírus Chinês”. Numa carta aberta dirigida a Eduardo Bolsonaro,
o cônsul da China pergunta: “você é realmente tão ingênuo e ignorante?”. “(...) você deveria saber que os vírus que
causam pandemia são inimigos comuns do ser humano, e a comunidade internacional
nunca chama os vírus pelo nome de um país ou região para evitar a
estigmatização e a discriminação contra qualquer grupo étnico específico (...)”. Quem mudou: Eduardo Bolsonaro, Li Yang, ou o
contexto?
Dentre os defensores
da globalização, o líder da nação mais rica do planeta, o Donald Trump, com
vinte e três aviões a caminho da China, traz tudo ou quase tudo o que o mercado
chinês tinha de equipamentos e instrumentos necessários para o enfrentamento do
novo Coronavírus. Trump engole o discurso da globalização e arrota o individualismo
mesquinho. O Tio Sam levou tudo, não deixou nenhum pouquinho para o seu amigo
também americano, só que da América do Sul, o Messias Bolsonaro. No contexto
atual, quais foram os parâmetros chineses: valeu o quem dá mais, quem é mais influente no
mundo dos negócios, ou quem tem mais representatividade na balança comercial do
país? Nem o novo Coronavírus foi capaz
de ensinar à China comunista/capitalista um pouco mais de humanidade. Existem
vidas além e todas importam sim! Será que como em O poço os pecados capitais
irão aflorar ainda mais em tempos de Covid-19?
Envolto em atitudes
mesquinhas, o governo americano se utiliza do discurso “salvacionista” para
justificar suas ações, vejamos: “Precisamos das máscaras. Não queremos outros
conseguindo máscaras. É por isso que estamos acionando várias vezes o ato de
produção de defesa. Você pode até chamar de retaliação porque é isso mesmo. É
uma retaliação. Se as empresas não derem o que precisamos para o nosso povo,
nós seremos muito duros”. A empresa 3M rebate Trump e diz que não vai
interromper a exportação de máscaras para o Canadá e países da América Latina.
Ao contrário da China, a empresa 3M respeitou seus parceiros comerciais e
mostrou empatia com outros povos que estão sofrendo do mesmo mal. Em tempos de
pandemia, dá para ser ético no processo de mudança (tomada de decisão) ou vale o
salve-se quem puder?
Os homens adequam seus
discursos às suas necessidades imediatas, esses homens detêm os mais diversos
meios e metodologias para propagarem e exercerem seus poderes. No enfrentamento
dos problemas, uns se acovardam, fogem das suas responsabilidades, abandonam os
seus. Quem antes “curava” não cura mais... Alguma coisa mudou, ou nada mudou?
No filme O poço, retomando,
os pecados capitais estão presentes. Como assim, um lugar tão restrito, com um
público igualmente restrito? Isso mesmo, eles estão em todas as partes e
lugares, estão em cada um de nós!
O Messias brasileiro, por exemplo, tem se
apoderado de todos os pecados capitais: avareza, quando propositadamente não
agiliza o pagamento da renda emergencial aprovada pelo Congresso; inveja,
quando não admite os méritos do ministro da saúde e não segue as suas
orientações; ira, quando ataca os governadores e prefeitos por tomaram medidas
necessárias para o enfrentamento da pandemia; preguiça, quando passa 28 anos no
Congresso Nacional sem apresentar um projeto sequer; orgulho, por não
reconhecer sua pequenez diante do problema vigente e recolher-se para não
prejudicar o povo brasileiro; luxúria, por esbanjar nas compras com o cartão de
crédito corporativo; gula, acostumar-se com o dinheiro fácil e introduzir os
seus no mundo da política e tudo o que
dela advém .
Nessa gangorra encontram-se
pessoas com atitudes desprezíveis e outras dignas de aplausos. O Papa Francisco é exemplo de quão grande um indivíduo
pode vir a ser. Francisco reza sozinho, não se sente menor por mostrar a praça São
Pedro vazia. Não se sente ameaçado, enquanto papa, por escancarar a sua
fragilidade humana, não diz ter a cura para o Covid-19, ora pelos cientistas,
chama a atenção para moradores de rua da cidade de Las Vegas deitados no chão a
céu aberto em espaços demarcados. O Papa Francisco acolhe refugiados por
entender que são parte da humanidade, para ele o todo e as partes estão
interligados.
Os bastidores da vida
humana têm nos revelado pessoas com atitudes abomináveis e pessoas com atitudes
admiráveis. Embora, as lentes dos olhares divirjam, os conceitos e valores sejam
mutáveis, isso é fato. Adolf Hitler, advindo de uma guerra, apresentou seus
ideais de mudança a partir de um projeto de segregação, de dominação, de
superioridade de uma raça e teve o holocausto como desfecho. Nelson Mandela,
motivado pela causa do seu povo, trouxe nos seus ideais de mudança a luta pela
igualdade de direitos, pela liberdade, pelo respeito mútuo e teve o fim do
Apartheid como desfecho.
Messias Bolsonaro,
Jorge Bergoglio, Adolf Hitler, Nelson Mandela são figuras humanas que como
tantas outras, compõem a história da humanidade. De uma forma ou de outra
mudaram o curso dessa história. Biografias já escritas, outras em curso. “Você tem sede de quê? Você tem fome de
quê?” (Titãs).
A fé múltipla é uma
importante aliada no processo de mudança de cada individuo. Jesus, ao olhar
para uma multidão de mais de cinco mil pessoas, ao olhar para um cesto com cinco pães e outro
com dois peixes, acreditou em si e no outro, acreditou que poderia saciar a
fome daquelas pessoas, mas também acreditou que elas se sentiriam saciadas,
acreditou nos seus discípulos, acreditou na disseminação da mensagem. Os
milagres de Jesus não eram exibicionismo, eram mensagens de fé, seus atos
tinham propósitos. Jesus não distribuiu riquezas acumuladas nem bens de
produção, apenas ensinou a dividir o pão. Se não fizermos a lição (dever de
casa), não foi ou é por falta de mestre. O mais provável é que sejamos alunos
desobedientes, falta-nos fé.
A história continua
sendo escrita e cada um de nós ocupará o seu lugar dentro ou fora da caixinha.
No palco do mundo, com a peça “O novo Coronavírus”, vários atores se
movimentam, com atitudes admiráveis ou com atitudes mesquinhas, cada um no
espaço que lhe é permitido, estabelecendo as relações que lhes são possíveis, dentro
de um espaço macro ou micro. Quem serão os atores principais, quem serão os
vilões, os atores coadjuvantes, os figurantes, os espectadores nessa comédia da
vida humana, não saberemos dizer, talvez no máximo, dar um palpite. A leitura
do presente – livro em construção – será feita pelas gerações futuras.
Parabéns, Goretti, por mais esta reflexão tão rica e necessária aos nosso dias!
ResponderExcluirSimplesmente espetacular. Parabéns Goretti, você passeia suavemente contextualizando o antes e o durante deste momento no qual estamos vivendo. Não assisti "O poço", meus lado emocional não permite, mas meu filho Thomaz assistiu e fez uma sinopse pra mim e lendo o seu texto aqui posto vejo que apesar dos seus 12 anos Thomaz conseguiu fazer uma leitura adequada do filme.
ResponderExcluirFrancisca Joseni dos Santos
Parabéns Thomaz, O POÇO é filme pra gente grande. Muito obrigada Joseni!
ExcluirEx-ce-len-te
ResponderExcluirObrigada.
ExcluirExcelente e robusto texto.
ResponderExcluirGorete, por que você nos deixou por tanto tempo sem seus textos, sem suas reflexões tão centradas no humanismo? Só faço uma observação, numa negociação comercial de uma empresa chinesa ou por várias, não se pode tomá-las pela China ou governo chinês. Assim penso eu, mas posso estar errado! Continue nos escrevendo. Você é alguém que merece a atenção de todos os leitores!!!!
ResponderExcluirObservação acatada. Muito obrigada, não sei se mereço mas, agradeço!
ExcluirExcelente, Goretti! Um resumo e um ponto de vista relevantes para pensarmos esse delicado e complexo momento q estamos vivendo.
ResponderExcluirObrigada!
ResponderExcluirExcelente texto, tia. Argumentação impecável, analogias bem colocadas. Por favor, continue nos enriquecendo com seus textos.
ResponderExcluirBjo Dani!
ResponderExcluirObrigada Dani, Bjo!
ResponderExcluirParabéns Gorete, você foi clara, objetiva, sincera e feliz com a escolha dos temas abordados.
ResponderExcluirE X C E L E N T E!
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ResponderExcluirDigno! Parabéns professora!
Parabéns, Goretti!
ResponderExcluirProfessora e articulista esmerada, antenada, de escrita aclarada pelo seu vasto conhecimento. Ótimo, estimada professora.
ResponderExcluirSeu texto foi preciso, profundo, desconcertante. Parabéns, Goretti!
ResponderExcluirMuito obrigada Francisco! Saiba que por te tenho muita estima e consideração.
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