DESEJO ESTAR ENGANADO
Estamos em 24 de março de 2020.
Para mim, hoje é o 8º dia do meu isolamento social.
Nasci no ano de 1958, portanto, tenho algumas experiências
nessa vida brasileira, tão cheia de sobressaltos.
Desde a época das minhas
primeiras letras, iniciada nos primeiros anos da ditadura militar, o país
passou por período de inflação galopante, quando tive que reaprender a tirar três
zeros da grafia da nossa moeda.
Passei por mudança do nome da
nossa moeda: cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro novamente, cruzado, cruzado
novo, cruzeiro, cruzeiro real e real. Chegamos a utilizar, na época do Novo
Cruzeiro, os BTN-Bônus do Tesouro Nacional, como indexador do nosso dinheiro.
Alguém se lembra disso? Pois é, isso foi em 1.989.
Minha formação universitária
aconteceu entre 1986 e 1992, ou seja, no final da ditadura e no início do
processo de redemocratização política brasileira. Entretanto, minha vivência na
Saúde Pública inicia-se em 1.993 no Ministério da Saúde e a partir de 1994
quando iniciei meus trabalhos em um CAPS- Centro de Atenção Psicossocial).
Especializei-me em Saúde Pública
no ano de 1999 e iniciei meu mestrado, também em Saúde Pública no ano de 2001.
Em 1994 a cidade em que vivo estava
se recuperando de uma epidemia de cólera e adentrava na epidemia da dengue, que
passou da forma clássica para a hemorrágica em pouco tempo. Eu contraí a doença
em três oportunidades.
Recentemente, passamos pelas
epidemias da Chikungunya e do Zikavírus, que deixaram sequelas até os dias de
hoje, embora pouco se fala delas.
Enfim, nossa sociedade passou por
grandes turbulências, políticas, econômicas e de saúde (obviamente todas
interligadas), nos últimos 60 anos.
Pois bem, hoje enfrentamos uma
pandemia do COVID-19, conhecido como Coronavírus, que está paralisando quase todos
os países do nosso planeta, fazendo com que as famílias fiquem confinadas em
suas casas (pelo menos aqueles que podem se dar a esse luxo), fato esse que, se
acontecesse há 25 anos, seria impossível, pois não havia internet, redes
sociais, telefones celulares, entregas a domicílio, Netflix, dentre outros
meios de comunicação.
As previsões dos especialistas mostram
que ainda não chegamos ao pico da epidemia no Brasil, e que os dados apontam
para números alarmantes nos próximos 30 ou 60 dias, com milhões de infectados e
milhares de mortos.
Pois bem, vamos ao cenário que
vislumbro para depois que a última vítima do COVID-19 for enterrada.
- Como
todas as atividades produtivas estão em ritmo lento ou paralisadas, os
detentores do capital acionarão todo seu poder de produção para buscar a
recuperação do dinheiro perdido, além de lutarem por políticas que
restrinjam os direitos dos trabalhadores ao máximo;
- Nossos
políticos já descobriram a fragilidade do povo e vão eleger um messias
(não confundam com esse Messias que está aí, pois ele é carta fora do
baralho) para orientar os rumos da população, legitimando a restrição de
direitos sociais, trabalhistas, cíveis etc.;
- A recuperação
econômica do povo não acontecerá, pois a maioria da população brasileira
vive do que ganha e gasta no período de um mês, não tendo condições de
investir, portanto, a única batalha a ser vencida será a do emprego que
estará disponível com poucas garantias e com redução dos valores
anteriores;
- A
concentração de renda, que já é absurda, se tornará mais visível, pois a
classe média perderá seu poder de poupança e de consumo;
- A
corrupção vai diminuir em número de corruptos, mas vai explodir em valores;
- O conhecimento
voltará a ser um valor inestimável de poder;
- O setor
de educação privado crescerá exponencialmente através dos cursos EaD e de
faculdades caça níqueis;
- O
serviço público será esvaziado e as relações de trabalho voltarão à
precarização de 60 anos atrás;
- Cuba
será uma potência em Saúde Pública, mas o capital continuará com os
grandes laboratórios farmacêuticos, por razões óbvias e já presentes
atualmente;
- A maioria das pessoas, em torno de 70% da população mundial, voltará às suas atividades e, em um ano, tudo será vivenciado como se fosse a coisa mais natural do mundo, ao estilo 1984 de Orwell.
Parabéns, Júlio César. Com este texto vc deu início a uma série de reflexões profundas e necessárias nestes dias de quarentena, que crescerão em importância à medida que nos distanciarmos desse tempo. Nota máxima.
ResponderExcluir