Não arrumei o guarda-roupa
Por: Maria Goretti Borges
Em tempos de quarentena ouvi e li sobre arrumar o guarda-roupa. Pasmem,
não o arrumei! Atividade que fazia sempre quando me sobrava algum tempo e sempre
reclamava por não ter tempo para arrumá-lo. Na quarentena, a arrumação deste móvel
é o que menos importa.
Primeiro, olhar para as roupas sem a necessidade de vesti-las é triste e
desnecessário; segundo, para que selecioná-las se não tenho lugares diversos para ir;
terceiro, estar em casa requer o mínimo de roupa, ou seja, a mais simples possível;
quarto, a roupa é tão insignificante perante a urgência da preservação da vida; quinto,
se tivesse que escolher não teria como priorizar as roupas, mas, sim, escolheria as
pessoas que estão comigo, os alimentos (tenham arrumado os armários), os livros, a
TV e o meu celular (muito importante nesse momento, uma ponte com um mundo lá
fora) que é meu instrumento de trabalho e de risos, pois o povo brasileiro é bastante
criativo e cria muitas postagens em redes sociais.
Tenho olhado com muito carinho para a minha casa, sinto-me acolhida e até
protegida do inimigo invisível, as portas estão abertas, esqueci até dos outros males
externos. O alimento passou a ter outro sabor, a ser feito com mais carinho e cuidado e
também degustado com mais respeito, dando-lhe o devido valor. A mesa é o lugar da
junção da benção e do reconhecimento de quem trabalha e sustenta a vida.
Voltemos ao guarda-roupa. Resolvi fechá-lo ou quase durante a quarentena.
Separei poucas peças de roupa, como: dois shorts, três camisetas, roupas para dormir
(duas) e duas peças para os exercícios físicos, diga-se de passagem, muito importantes
sempre e agora ainda mais. Outras peças menores estão numa gaveta (risos). Mas, tão
poucas roupas se teremos tantos dias de quarentena? Porque as mesmas serão
lavadas dia sim, dia não, e nem precisam ser passadas. A praticidade faz parte da
quarentena, deixemos para consumir nosso tempo com coisas mais necessárias. Eis
porque os índios não precisam esconder “suas vergonhas”, há coisas mais importantes
para fazer, sobreviver. Qual a importância da roupa? Eles querem o pescado, a caça, a
vida! Primeiro o alimento do corpo e do espírito, depois a roupa. O guarda-roupa vem
por último.
Num desfile de modas o que menos importa é a roupa. Pego-me pensando:
quem usaria aquelas roupas tão espalhafatosas? Quem teria coragem de sair às ruas
vestido com as mesmas? “Faz muito tempo que os desfiles deixaram de funcionar
como uma vitrine das roupas que vão ser vendidas nas lojas... hoje, o mais importante
num desfile é apresentar o conceito, a mensagem por trás da coleção e essa sim, feita
de peças de verdade”, como trouxe a revista Abril.
Pensando bem, as nossas roupas são conceituais o tempo todo. Em casa e no
guarda-roupa não dizem nada, não se adequam, não combinam com coisa alguma,
não são da noite nem do dia, do frio, do inverno, do outono, nem do verão. Elas apenas
são roupas. As roupas que antes eram de festas de casamento, de aniversário, da
empresa, dos batizados, de formaturas, das reuniões, dos passeios nas praias, das
missas, dos cultos, não podem mais estar presentes. Festa já não há, escolhas de
roupas também não.
Na quarentena não arrumo meu guarda-roupa. Para que as roupas se não tenho
os conceitos? As roupas são conceituais, algumas poucas exercem a função apenas
necessária, essas estão separadas, limpas e não passadas. Nesse período, recebo
várias mensagens no WhatsApp. São as meninas vendedoras, oferecendo-me os seus
serviços a domicílio. “As lojas estão fechadas, mas podemos atendê-la a domicílio”,
dizem as meninas. Super agradeço, mando beijinhos, abraços e sorrisos através de
emojis e me pego a pensar e chego a seguinte conclusão: para quê, para onde e por
quê? Sempre serei gentil com as meninas! A roupa tem significado, hei de ressignifica-las mais ainda.
Estou pensando, sinceramente, que nos últimos dias dessa quarentena com
saúde, as amizades de sempre e com fé em Deus arrumarei o guarda-roupa.
Organizarei tudo, organizarei as peças por cores, funções, combinarei calças com
blusas, vestidos com sapatos, separarei outras para doação, recordarei o quanto elas
fazem parte da minha vida, entenderei que o mundo lá fora nos aguarda, que não saio
sozinha, elas me acompanham e tudo vai voltar a ser como era antes, ou até melhor.
Todas as festas, encontros, reuniões e etc. vão voltar e nós estaremos lá.
Roupas são conceituais! Visitarei as meninas das lojas, não para comprar, pois
as roupas serão ressignificadas de imediato, mas logo tudo voltará a ser como antes.
Essa é a dinâmica da vida. Arrumando ou não o guarda-roupa, o mais importante é
que estejamos com a nossa mente organizada, encarando esse momento não como
um isolamento, mas como um cuidado necessário à nossa sobrevivência e a dos nossos
semelhantes. Sejamos gratos a Deus!
Quem tem família, casa, comida, redes sociais, TV, não está sozinho nem
isolado, pode-se dizer que está com restrições, limitações – é assim que vejo. A perda
de um ente querido, sim, nos traz um isolamento definitivo, uma saudade eterna e não
possibilidade do reencontro nesse plano (para quem assim crê). À vida digo sim! Salve,
salve, Gonzaguinha! Como ele mesmo diz: “viver e não ter a vergonha de ser feliz”.
Parabéns,Goretti, pelas sábias palavras. Li pacientemente seu texto...me encontrando nas suas bem ditas palavras. Assim como você, eu também não arrumei o guarda-roupas. Dobrei algumas peças e separei as de "ficar em casa". Um abraço cheio de bons presságios.
ResponderExcluirUm abraço amiga, obrigada!
ResponderExcluirLindo texto. Me encontrei em algumas linhas, pois também não arrumei o meu guarda roupas e separei algumas para uso constante e,como você bem diz as relações familiares são resignificadas. 👏🏽👏🏽👏🏽🙊
ResponderExcluirDesculpas pelo emoji do macaquinho... Saiu de "atrevido"
ExcluirMuito obrigada amiga, um beijo!
ExcluirCaramba!
ExcluirUauuuuuu...
Bravo! Bravo!
Sem palavras...
A D O R E I!
Nos tempos de quarentena, descobri em você mais uma beleza! Você é uma escritora cara amiga!
Que bela e expressiva crônica!
Quanta sapiência em suas palavras sábias e tao coerentes!
Vc não arrumou o guarda roupas...
Vc arrumou pensamentos úteis...
Vc organizou conceitos relevantes...
Vc "saiu do armário" kkkkkkkk...
Vc escreveu o que muitos precisavam ler!
Você está de parabéns minha amiga escritora e colega tão admirada!
Que passe essa quarentena...
Que acabe essa guerra...
Que seja destruído esse vírus silencioso e mortal...
Que Deus o todo poderoso tenha piedade de nós que talves tenhamos esquecido de arrumar o nosso "guarda roupa" (nossas vestes espirituais).
Quem sabe depois dessa terceira guerra mundial nós possamos significar melhor não só o vestir mais principalmente o despir:
Despirmos do nosso coração, de nossas almas as impurezas desta vida!
Nos veremos...
Nos encontraremos...
Nos abraçaremos...
Desta feita com novos valores!
Para encerrar vamos cantar:
... A minha gente sofrida
Despediu -se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor.
BEIJOS com afeto e carinho!
Amiga maravilhosa e muito gentil, não mereço tanto, mas agradeço! Bjo
ExcluirGilberto, por favor, edite o meu texto e retire o emoji do macaquinho. Foi um errom
ResponderExcluirQue inspiração! Que talento! Isso não me surpreende e me reporto aos tempos de professor do IESC. Melhor para o universo das letras santacruzenses. Parabéns, amiga Goretti.
ResponderExcluirMuito obrigada meu amigo Francisco, estou longe bem distante do "universo das letras santacruzensas", rs. Tudo isso é invenção de Gilberto Cardoso.
ExcluirParabéns Goretti!!! Lindo texto,você sempre escreveu bem!!Concordo com você, para quê arrumar guarda- roupas neste momento? Devemos mentalizar coisas positivas e após esta fase de reclusão forçada, aí sim,arrumemos nossos guarda-roupas da melhor maneira possível. Beijos !!!
ResponderExcluirExcelente crônica, Maria Goretti. Vc cristalizou o que muitos de nós sentimos nestes dias. Somos forçados a reavaliar muito do que fazíamos automaticamente, sem reflexão. Nota dez.
ResponderExcluirExcelente e humana abordagem, estimada professora, sempre elegante, inclusive, com às palavras.
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