quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A insustentável leveza de ler - Luzia Pessoa de Araújo


Solicitei à excelente educadora Luzia que escrevesse suas memórias de leitura e o resultado foi maravilhoso! A começar do título, o texto já nos encanta! A leitura se dá pelo exemplo, pelo contágio. Espero que este testemunho de amor pelos livros cumpra importante papel neste país de analfabetos funcionais.

Inspirado na foto e no exemplo de vida que ela tem dado, eu digo: 

Luzia é luz, alegria
altruísmo, poesia
Roseiral em floração
Bem que Drummond já dizia
Que uma Pessoa "Luzia
Na janela do sobradão".





A insustentável leveza de ler

É mister reconhecer que a leitura é um hábito que podemos adquirir. Lemos por prazer, para estudar e para nos informar. 
Como me tornei leitora? Fiquei pensando na minha trajetória e como adentrei nesse mundo de encantos e fantasias. Através da leitura, já andei o mundo inteiro com os pés no chão e a cabeça nas estrelas. Aprendi a ler antes de ir para a escola. Não era algo extraordinário esse feito. Era algo natural nos idos anos 70. A minha mãe tinha amor pelos livros, revistas e novelas radiadas. Minhas irmãs leitoras assíduas de fotonovelas. Gêneros extintos. As novelas de rádio eram espécies podcasts sequenciados.
Meus irmãos liam folhetos de bolso cuja temática era faroeste, revista Tex e Zagor.  As bancas vendiam revistas Capricho e Sétimo Céu.  Esta preto e branco, aquela em cores. Eram semanais e fisionômicas aos mangás, preservando as características, eram modismo como as séries contemporâneas.
Todo mundo do meu mundo lia por escambo, empréstimos. Nunca soube  quem comprava livros  como  Christiane F, Com Licença , Eu Vou à Luta, Pássaros Feridos, Papillon, Perdidos Na Noite, Laços De Ternura, O Lobo da Estepe, Fernão Capelo Gaivota, Ninguém É De Ninguém, 79 Parq Avenue, As Sandálias Do Pescador, Complexo de Cinderela, Síndrome de Peter Pan, A Queda Para o Alto, A Carícia do Vento, Enterrem Meu  Coração Na Curva De Um Rio, Ainda Resta Uma Esperança, Horizonte Perdido... Além da grande maioria dos clássicos da Literatura Brasileira e da Literatura Universal que eu li na minha infância e adolescência.
Possuía a dádiva de ser vizinha da biblioteca municipal. Era comum doadores deixarem livros na minha casa quando a biblioteca estava fechada. Foi numa ocasião dessas que conheci Clarice Lispector...tive estranhamento. Diria um "supapo", um "catabilho”. Não tínhamos dinheiro para comprar livros, mas eles surgiam. Meu pai falava muito em São Saruê e, naquela época, certamente era de lá que eu colhia, no pé de livros, essas maravilhas. Foi com grande espanto que na faculdade estudei a terra prometida que meu pai, que não sabia ler, tanto me falava.
O livro Cem Anos de Solidão era tão centenário quando chegou lá em casa que colecionei as traças que comeram a palavra: Macondo.  Eu li:  "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo (Nome que a traça comeu) era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo(...)"
Deixo aqui nesses escritos a recomendação, quase que um dever, dessa leitura de Gabriel García Márquez.  
Entrei no curso de Letras por amor aos livros. Lá conheci   James Joyce, André Gide, Dostoievski (demorei para saber pronunciar), Goethe (ainda não sei falar direito esse nome) Oscar Wilde traduzido por Clarice, Florbela Espanca, Rosa e Pessoa. São tantos...e eu tão pouca. O poeta tem razão. É vã lutar com as palavras...sou pacífica com elas.
Das revistas em quadrinhos até Adélia Prado e O Homem Da Mão Seca tem sido um longo caminho. No ofício de professora leio muito, porém tenho sentido falta da leitura por fruição. Tenho feito leituras obrigatórias, textos curtos, livros didáticos. Este ano li o primeiro volume de uma ficção dos anos 80. Uma distopia apócrifa e uma biografia. Ganhei livros e dei livros. Adquiri um leitor digital, um Lev. A promessa é de armazenar 8 mil livros. É preciso não ter como absurdo o novo, mas nada se compara ao livro físico...faz parte da gente sentir texturas e cheiros. É uma necessidade sinestésica.
A leitura é o único mecanismo que nos tira dessa dura realidade. Não sou purista. Li alguns cânones, Júlias e Sabrinas e todos me constituíram e me constituem como leitora.  Leio, sem cesurar, posts diversos nas redes sociais, pois   concebo como valioso todo ponto de partida ou de chegada para a leitura que sempre estará lá... espreitando e acontecendo, bendita ou (mal)dita. Tenho admiração pela inspiração dos escritores, gosto da forma como os livros tocam a imaginação e o coração das pessoas. Por fim, leia. Leia para se salvar da caminhadura. Leia porque os livros são maquinas de transformações, janelas do mundo. Aceite o conselho de Voltaire: leia porque a leitura engrandece a alma.



7 comentários:

  1. Quando ela me questionava a respeito do eu lírico, eu já desconfiava: estava dentro dela, como um "encosto", uma Luz. Conheço de longe um bom leitor. Desde o século passado. E quando os conheço, não os deixo ir embora nunca. Principalmente quando este nunca está entre Macondo e São Saruê.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. À mestre com carinho

      Quem teve e tem uma professora
      chamada Val...tem uma espécie de dever com o sagrado coração de todos os escritores do mundo. Amo-te e amar-te-ei para além desta vida.

      Excluir
  2. É...Luz...de...Luz, assim se encontram entre letras, palavras e sons!!

    ResponderExcluir
  3. Quando lhe digo: "continue, Cumade", nesse tom de cotidiana linguagem corrente, cheia de asas como meus passqrinhos surreais e imaginários, ela me diz como respista: "Cumade, eu só sei costurar palavras!". Eu pergunto ao leitor "se existe algo mais substancial que o ofício de costurar, desmanchar, costurar de novo e compor um tecido feito todinho de palavra". Não, a palvra lida e escrita é o nosso alimento diário, a nossa fonte existencial. Luzia Pessoa é inganávelmente um talento potiguar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. "Cumadi", quão grande és tu! Vejo hora, qualquer dia, quando "dé fé" , eu acreditar

      Excluir
  4. E assim, a leitura instiga a imaginação, aumenta o vocabulário, faz desabrochar novos escritores. Com Luzia não foi diferente: pegou as palavras no laço, domesticou-as e, com elas, vai crochetando sem errar um ponto, construindo significados, às vezes irreverentes, outras engraçados. Um ser luz, assim reluz, Luzia!

    ResponderExcluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”