quinta-feira, 30 de maio de 2013

O PAPA E OS ATEUS - Gilberto Cardoso dos Santos

 
Em certa homilia de maio de 2013, o papa Francisco disse algo que surpreendeu a muitos, evangélicos e católicos:
“O Senhor redimiu a nós todos, a todos, pelo sangue de Cristo: todos nós, não apenas católicos. Todos! “Padre… os ateus também? Mesmo os ateus?” Todos!”
“Fomos criados filhos à semelhança de Deus e o sangue de Cristo redimiu a nós todos! E todos temos o dever de fazer o bem. E esse mandamento para todos fazermos bem, penso ser um belo caminho para a paz. Se nós, cada um fazendo a sua parte, fizermos o bem uns aos outros, se nos encontrarmos lá, fazendo o bem, então iremos gradualmente criando uma cultura de encontro. Devemos nos encontrar na prática do bem. “Mas eu sou ateu, padre. Eu não creio… ” “Faça o bem e nos encontraremos lá.”

Percebe-se certa dubiedade e um tom poético nas palavras do papa, mas a linha  que predominou na imprensa é a de que o papa teria dito que os ateus, se fossem bons, se salvariam.

Evangélicos fundamentalistas ficaram indignados. A salvação não depende de obras humanas, mas exclusivamente do sacrifício de Cristo, revidaram no púlpito. O papa revelava uma ignorância bíblica espantosa, disseram alguns.
O próprio Vaticano, dias depois, emitiu nota esclarecendo que “ateus ainda vão para o inferno”.
Mas eu me pus a meditar e a procurar por fundamentos bíblicos para o que o povo entendeu. O papa, que já teve oportunidade de estudar as escrituras em suas línguas originais não me parece tão ignorante delas. Talvez não dê às letras sagradas a atenção que alguns religiosos gostariam que ele tivesse. O problema, talvez, não esteja no desconhecimento da Bíblia, mas no excesso de conhecimento dela e sobre ela...

Encontrei a parábola do Bom Samaritano. Lucas 10:29 a 37. Nesta história, temos um homem ferido, um homem caído à beira da estrada, sangrando. Passa outro homem de Deus e depois outro e depois outro... mas nenhum toma providências para salvar o moribundo. Provavelmente saem de consciência tranquila, pois o que têm para fazer tem a ver com a obra de Deus. Seus álibis têm a aprovação do céu. No fundo no fundo, porém, imagino que tentassem sufocar uma vozinha irritante que tentava lhes dizer o que deveriam ter feito.

E é aí que Jesus introduz a figura do bom samaritano. Este chegou e fez tudo e bem mais do que aqueles religiosos deveriam ter feito. 

Os samaritanos, na época de Cristo, eram tão malvistos quanto os ateus são vistos hoje. Judeus e samaritanos não se falavam, como se evidencia no encontro de Jesus com a mulher no poço de Jacó (João 4:11).  Os judeus costumavam fazer longas travessias para evitarem passar por perto do território habitado por eles. Expressões de ódio e discriminação eram comuns às querelas entre estes dois povos. Do ponto de vista judeu e bíblico, os samaritanos detinham uma fé vã, diabólica, perniciosa. Jamais se veria um rabino judeu admitindo que um samaritano pudesse salvar-se, ainda que bom.

Pois bem. Aquele samaritano que entrou para a história como modelo seria tão condenável quanto um ateu. O próprio Jesus teria dito que a salvação vem dos judeus, mas não negou a superioridade do gesto daquele homem condenável do ponto de vista da fé.

Jesus não falou de fé e o apontou como exemplo quando lhe foi perguntado “Quem é o meu próximo?” O critério para a aceitação divina não foi sua fé correta, mas suas ações concretas em favor de um carente.
Imagino que Jesus chocou a liderança religiosa de seu tempo tão certamente quanto hoje o papa choca a cristandade com estas palavras.

Esse papa é um expert em gestos e discursos poéticos. Preferiu se espelhar no exemplo de São Francisco, aquele que escandalizou a muitos quando disse que até os lobos eram seus irmãos. Percebam suas intenções quando ele fala em ir criando a cultura do encontro. Belo trecho de sua homilia!
Além disso, suponhamos que um ateu, querendo aumentar sua margem de segurança, resolva se esmerar na prática do bem. Não estaria ele manifestando um princípio de fé? É isso o que o papa quer. Encontro de ateus e cristãos na prática do bem, não propriamente no céu. 

É interessante pensar naqueles ateus que, à semelhança de Betinho, do Fome-Zero, fazem o bem sem esperar a eternidade em troca. Sem temer o inferno, buscam não viver de modo egoísta.

Pergunto-lhe: quem você escolheria para conviver: algum daqueles judeus que passaram longe do homem ferido ou o samaritano que o socorreu? Herbert de Souza, o ateu, ou algum religioso fanático que nada ou pouco faz pela sociedade?
Talvez Deus pense de modo semelhante a nós e ao papa. 

7 comentários:

  1. Excelente reflexão, Gilberto! Lembro ainda da passagem de Coríntios: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine"
    (1 Coríntios 13:1). Admiro muito a postura do Papa Francisco, ele vem para disseminar uma nova igreja. Isso é uma maravilha!

    Cristiane Praxedes Nóbrega

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  2. Gilberto,

    Que maravilhosa/o reflexão/estudo vc nos apresenta. Cada vez mais penso que fazer o bem é o verdadeiro e único caminho para a Salvação. Assim o Papa, Betinho e o Bom Samaritano estarão junto no Céu Cristão.

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  3. O texto é lindo, bem escrito, com bons argumentos. Dele salta ainda um homem de fé. Não sei se "da" fé. Interpretar com tamanha inocência o que quer Chicão assustou-me. Ele é um Papa de transição, um homem de 76 anos cuja imagem parece talhada para a missão que tb parece ser a sua : guardar para o próximo Papa um pouco de fiéis com uma boa ajuda da mídia. Seu belo texto parece acreditar na provável pantomina armada : "casualmente" o Papa fala sobre ateus e logo a Cúria reage (naturalmente? ou num jogo de cartas marcadas para equilibrar alas e corações?). Cair nessa discussão é como entrar no jogo da mídia. Claro, é uma bela declaração para os que acreditam que houve mesmo um dia um Cristo humanista e uma Igreja caridosa (e, de certa forma, houve). A insistência na humildade (talvez a palavra mais usada) parece jogar sempre a discussão na rota que se quer : um humilde entende os humildes. Encobre-se e esquece-se o Papa pop star que acordou com todo tipo de regime e que levou a rigidez e a destruição de boa parte do trabalho antes construído a partir de João XXIII. As bases populares foram destroçadas em nome da doutrina. O Papa seguinte, o buldogue sem carisma , um intelectual brilhante, tentou o caminho da tradição e terminou rompendo com modelos e tentando ajustar o inajustável : a perda de influência e prestígio do catolicismo. Mas o cara é simpaticão, né?

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  4. Eu que habitualmente não gosto de papas, simpatizo um bocado com o chico.

    e a declaração é poética, bonita e de uma humildade fantástica.

    é o sujeito que respeita a fé do outro, mesmo quando a olha através da sua.

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  5. Isso que o Papa Francisco fala, no meu entendimento: "É apenas um modo de dizer a todos, sem exceções, que mesmo não crendo, mesmo dizendo que Deus não existe, mesmo negando seu próprio pai, que nos criou sua imagem e semelhança por amor, que mesmo sacrificando a vida de seu único filho para nossa salvação,--Que façamos o bem, pq Jesus quando veio a terra, ele sempre fez o bem ele nunca negou a ninguém seu amor, pregou para crianças e adultos, Jovens e idosos, Mostrou-nos o primeiro amor, aquele amor INCONDICIONAL, Aquele amor GRATUITO, aquele amor APAIXONADO, Aquele amor que mesmo traindo ele todos os dias de nossas vidas, nos PERDOA PQ NOS AMA COMO UM PAI AMO SEU FILHO, E quando agente faz o bem ao próximo agente estar amando, e Deus é amor. A partir do momento que vc ama, por mais q vc diga não crer em Deus, vc estar nele pq ele é amor, ele é a prova de amor maior que poderíamos ter. E se Papa Francisco, foi o escolhido para representar todos os Cristãos do mundo, Não foi por acaso foi por algum motivo que não sabemos qual, mas o tempo irá nos dizer, Pq Deus age e isso é inevitável".

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  6. Nossa, nem durmo de tanta preocupação com as tolices ditas por esse papa, por essa Bíblia e por essa Igreja....

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  7. O não dormir de fato, estar relacionado a algo perturbador
    A vida humano, foi concebido no fundamento do amor
    Que queira ou não; as citações bíblicas nos relata e ensina a prática do amor
    A sua escrita tem profundidade, impar
    E não é um ser desprovido de espiritualidade e de amor
    Que irá compreender ao LER, algo relacionado ao AMOR.

    JLUF

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