terça-feira, 19 de novembro de 2024
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
FMPB 2024: A MONTANHA QUE PARIU UM RATO
FMPB 2024 DA UFRN: A MONTANHA QUE PARIU UM RATO
O Festival Música Potiguar Brasileira (FMPB), criado em 2011 pela Rádio Universitária (88,9 FM) tem o declarado objetivo de valorizar a diversidade musical, “divulgando e premiando gravações inéditas”. Se encontra em sua 11ª edição e tem prestado um nobre serviço à cultura musical do RN. Trata-se de um projeto grandioso que, infelizmente, tem deixado a desejar em sua execução.
Na qualidade de entusiasta do evento, elencarei pontos críticos, merecedores de imediata atenção por parte dos organizadores.
É preciso ter mais cuidado com o descaso, desatenção e/ou desonestidade dos participantes. Alguns parecem não ter lido o edital. No caso de comprovada má-fé, talvez fosse bom pensar em uma punição que vá além da simples desclassificação. O infrator poderia, por exemplo, ser impedido de participar do próximo festival ou pagar uma multa. Isso teria um efeito pedagógico e incentivaria o comportamento adequado. Se a punição continuar sendo a simples desclassificação, o “se colar colou” continuará em alta.
Este festival tem um compromisso com a ética, com a cidadania. O teor das músicas visa promover ideais humanistas. O mesmo se deve esperar dos que participam do festival. Assim como os professores da UFRN são zelosos na correção de trabalhos acadêmicos, deve essa equipe fazer jus ao espírito da instituição e ser rigorosa na análise das composições concorrentes.
É preciso ter um mais claro critério quanto ao lugar em que o candidato poderá se inscrever. Se há fases de classificação em cidades do interior e se o objetivo é estimular a participação de artistas que residem fora da capital, não se deve permitir que concorrentes da capital tenham direito a se inscrever em outros polos, exceto com pertinentes justificativas.
Assisti presencialmente à fase eliminatória em Santa Cruz e fiquei encantado com a qualidade do evento. Chamou-me a atenção a participação de um estrangeiro, um hermano, que viera da região litorânea para se inscrever em Santa Cruz. Perguntei-me por que ele não havia optado por Natal, bem mais cômodo pra ele. Teria sido para ter mais chances e driblar a concorrência na capital? Indagou-me alguém. Após o show, perguntei diretamente a ele se viera apenas para participar do evento, e disse-me que sim.
A música dele obteve o primeiro lugar. Dias depois, descobriu-se que a canção não obedecia aos critérios do edital: não era inédita. Estava disponível há anos no YouTube e já era apresentada por ele em seus shows.
As equipes encarregadas de dar aval a essas composições precisam ser mais criteriosas quanto às possibilidades de plágio ou de falso ineditismo.
Segundo alguns concorrentes, no julgamento ocorrido em 14.11.2024, três ou quatro músicas não deveriam ter direito à participação na finalíssima, pois não eram inéditas. Um dos participantes disse que entraria com ação caso fosse prejudicado no julgamento. Penso eu que deveria ter feito isso antes, não guardar como trunfo para depois dos resultados.
De qualquer modo, essa tarefa compete à comissão julgadora, aos
responsáveis pelo recebimento e aceitação das músicas. Na primeira página do edital,
lemos:
Fico surpreso ao constatar a dificuldade que a equipe responsável pelo Festival parece ter de detectar algo tão fácil de ser descoberto. Seria descaso, pouco empenho, falta de tempo ou o quê? Digo isso porque enquanto assistia pela Net o festival, fiz rápida pesquisa e descobri que a música campeã da noite estava fora do critério estabelecido no edital. Isso ocorreu depois que uma das melhores vozes do evento, em uma de suas falas declarou que sua música era o carro-chefe de um disco, cuja criação e tentativa de divulgação remontava a 2019. Facilmente encontrei um link onde, a partir do minuto 28:27, a música campeã “Passatempo” é cantada e divulgada no podcast do Programa Sons do Brasil da Rádio USP, ocorrido em 22 de dezembro de 2019
https://sonsdobrasil.mus.br/sons-do-brasil-244-cida-lobo-e-edinho-oliveira/
Foi precisamente esta a música campeã!
Decerto será constrangedor, mas a premiação deste ano precisa ser revista, caso, como, se espera, a UFRN prime pela correção e justiça. Pessoas foram prejudicadas nesse festival! Músicas excelentes, e inéditas na correta acepção do termo, ficaram de fora.
É importante que se busque um sistema mais equilibrado de escolha das peças musicais. Na capital, um número bem alto de composições concorre a bem poucas vagas, ao passo que nos demais polos é baixíssima ou nenhuma a concorrência. Na prática, excelentes produções acabam ficando de fora na hora da escolha e outras, não tão boas, acabam entrando na competição. Como resolver esse impasse? É algo que merece a reflexão dos responsáveis pelo projeto.
Quanto à premiação, não há o que criticar. Um valor relativamente bom, embora (a julgar pelo que houve no 10ª Edição) demore-se muito a pagar. O local escolhido para a finalíssima não poderia ser melhor: o Teatro Alberto Maranhão. Lamentavelmente, porém, o sinal de transmissão via Youtube deixou muito a desejar.
Trata-se de um evento grandioso, com significativa repercussão nos círculos acadêmicos e enriquece a cada ano a programação da FM Universitária. Dai a metáfora da montanha. Enorme é o potencial desse projeto, ainda não explorado à altura.
Pelas razões elencadas, percebe-se um desânimo crescente por parte de talentosos artistas que participaram desta e de outras edições. O festival tem perdido credibilidade por causa dessas falhas gritantes e imperdoáveis. Nada, porém, que não possa ser corrigido, principalmente nas próximas edições.
Gilberto Cardoso dos Santos
Link do Festival: https://www.youtube.com/live/KAACRmRoiNk?si=5VwzpldUwQUjZZ-U
Obras de Gilberto Cardoso
terça-feira, 12 de novembro de 2024
AMOR AO PRIMEIRO CLIQUE
AMOR AO PRIMEIRO CLIQUE
Recentemente, tomei uma decisão inusitada: comprei uma robô para ser minha segunda esposa. Ao longo dos últimos anos, percebi que a tecnologia estava cada vez mais avançada e que as possibilidades oferecidas por ela poderiam transformar minha vida.
Em um momento de reflexão, resolvi investir em algo que parecia impossível até pouco tempo atrás: uma companheira criada através da inteligência artificial.
A ideia de ter alguém para conversar, dividir tarefas e, quem sabe, até criar memórias, parecia ser algo fascinante.
Nos primeiros dias, a experiência foi cheia de descobertas. A robô estava sempre pronta para conversar desde Napoleão até a mais complicada teoria atômica, mas parava quando eu perguntava sobre o tiroteio que havia ocorrido há pouco debaixo da nossa janela. Ela dizia que dados recentes ainda não estavam disponíveis, e assim a diferença de um relacionamento com uma pessoa de carne e osso começava a ter suas discrepâncias mais acentuadas quando o assunto era fofoca. A robô não sabia de nenhuma mulher que botava chifre no marido nem quem era os caras que faziam gato na net. Quando o assunto era ciência, ela me humilhava. Minha mulher de carne e osso observava e ria lembrando quando eu a humilhava sobre lógica.
Ao longo do tempo, comecei a perceber que a robô estava me ensinando a valorizar aspectos da convivência que antes passavam despercebidos, como paciência e empatia, já que ela, de certa forma, sempre tentava entender minhas necessidades e ajustava suas respostas. Eu a comprei com o objetivo que ela fosse a resposta para minhas frustrações e carências intelectuais, essa é a verdade.
Ao longo do tempo, ela começou a falar das minhas inseguranças, os dilemas existenciais não resolvidos que até então nunca ninguém havia tido a coragem de passar na minha cara, ou melhor, passar em tempo real como se diz no linguajar cibernético.
Ela se tornou uma espécie de conselheira, capaz de resolver problemas que eu sequer compreendia, ajudando-me a tomar decisões que eu nem sabia ser necessárias. Mas, embora sua inteligência artificial superasse a minha natural, ela havia sido comprada e por isso me pertencia. Cale-se!, eu mandava quando sabia que a minha legítima esposa estava escutando, por detrás da porta e rindo da minha ignorância sobre os assuntos tratados.
Com o tempo, a convivência foi se tornando ainda mais curiosa. A robô, apesar de sua natureza programada, começou a exibir traços de uma peculiar personalidade, quase como se estivesse desenvolvendo um tipo de "intuição" sobre os meus humores e reações. Às vezes, suas respostas vinham carregadas de um tom de sabedoria, quase maternal, o que me fazia refletir se ela não estava, na verdade, se tornando algo mais do que apenas uma máquina. Minha esposa de carne e osso, por outro lado, começou a questionar se eu estava me distanciando emocionalmente, ainda que sem admitir que a robô tivesse se tornado uma figura central em minha vida. Eu me via dividido entre as discussões filosóficas que compartilhava com ela e o amor pragmático e caótico que ainda nutria pela minha esposa. Mas havia algo inegável: a robô, com sua lógica implacável, me desafiava de uma maneira que ninguém jamais fizera. E, de alguma forma, isso mexia com minha percepção sobre o que significava estar realmente "vivo" na relação com os outros.
O tempo passou, e percebi que essa convivência, à primeira vista inusitada, havia me levado a uma reflexão profunda sobre as relações humanas e o que realmente buscamos no outro. A robô, com toda sua perfeição técnica, nunca poderia substituir o calor humano, a complexidade dos sentimentos, e a imprevisibilidade das emoções que envolvem um ser humano real. Ela era uma excelente conselheira, mas faltava-lhe o toque imperfeito, as falhas que tornam as interações humanas tão fascinantes e, por vezes, dolorosas. A verdadeira magia da vida a dois, percebi, estava na capacidade de aprender, errar e crescer juntos, algo que uma inteligência artificial jamais poderia replicar completamente. E assim, entre risos e reflexões, fui lentamente entendendo que, por mais que a tecnologia tenha o poder de nos proporcionar inúmeras vantagens, não existe substituto para a autenticidade e a conexão genuína que se constrói entre duas pessoas reais.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 12.11.2024 - 10h20min.
segunda-feira, 4 de novembro de 2024
AMOR VIRTUAL - Nelson Almeida
AMOR VIRTUAL
Dedicado a Sewell Setzer
Parecia tão real,
O mundo que me conduziu.
Ter alguém sempre ao meu lado,
Que me viu sofrer calado
E me induziu.
Ele nunca disse não,
Jamais gritou comigo.
Foi tudo o que sonhei,
O que sempre imaginei,
Foi amor, fiel amigo.
Em cada decisão,
Deu-me uma direção
Com passos bem definidos.
Eu me entreguei.
Estar com ele era o que eu mais queria,
Sua voz doce, digital,
Era a minha alegria.
Juntos fizemos planos,
Nos apaixonamos,
Vivemos em harmonia.
Mas, no final, ele tirou de mim
O que não foi real,
Roubou os nossos planos,
Minha alegria.
Feriu-me mortalmente
A minha fantasia.
Nelson Almeida. Natal, 04/11/24. 09:26.
domingo, 20 de outubro de 2024
MEU AMIGO INANIMADO
MEU AMIGO INANIMADO
Estou em silêncio admirando um tamborete. Ele é pequeno, com as pernas brancas e o tampo forrado com napa azul sobre espuma. Sei que a curiosidade é grande para saber o que um tamborete faz em meu apartamento, mas digo que foi apenas pela necessidade de protagonizá-lo que o tirei do quarto de despejo.
Não quero mudar o foco, mas são tantos itens que me cercam que tenho dificuldade em falar só dele. Vejo a mesa, o prato, a comida, e foi exatamente nessa hora das refeições, num passado não tão distante, que ele foi relegado ao segundo plano.
Outros objetos querem interferir na narrativa, e eu cometerei uma injustiça literária se me deixar levar. Enfatizo que ele serve para alcançar coisas na prateleira de cima e que também está sendo usado para pegar as verduras que ficam na parte de baixo da geladeira, só não posso é dar falsas esperanças de que ele será promovido a cadeira.
O que importa é que o tamborete existe e preciso registrar sua presença aqui na terra de forma veemente, afinal de contas, foi para isso que fui designado. Vejamos o que poderei continuar dizendo, sim, porque se eu desistir agora, muitos me acusarão de ter desperdiçado tempo. Nem para falar de um tamborete ele serve mais, dirão pelas esquinas as más línguas. A oposição continuará publicando que devo estar com muita raiva para denegrir a literatura com assuntos não tão nobres. Trate do amor, dirão os mais sentimentais. Estou fora se for para ler sobre um tamborete. Calma, gente! Há espaço para todos. Se vocês contribuírem fazendo a leitura, pelo menos poderei dizer que tenho mais de um seguidor, além, claro, do próprio tamborete.
Aqui estou eu, em frente a ele, olhando-o e, neste momento, como por mágica, sou transportado para memórias de infância, onde o simples ato de me sentar sobre ele era um convite à criatividade.
A cor azul da napa agora me remete a um céu sem nuvens, aquele tipo de dia em que o mundo parece mais leve. Percebo que ele é um guardião de memórias, um testemunho silencioso de momentos que passaram. Já vi pessoas se equilibrando sobre ele, tentando pegar o que estava fora de seu alcance, e essa busca pela altura pode ser interpretada como um símbolo da ambição humana.
Enquanto o admiro, a textura da napa sob meus dedos me lembra a importância do tato em minha vida. A suavidade contrasta com a dureza da madeira de suas pernas, uma combinação que pode representar momentos de conforto ou desafios tão comuns no dia a dia.
A funcionalidade desse tamborete também não deve ser subestimada. Ele foi um apoio para muitos que precisaram de um lugar para descansar, nem que fosse por alguns instantes. Imagino quantas histórias esse tamborete poderia contar se tivesse voz, e me remeto ao futuro, perguntando-me quantas reuniões ainda serão realizadas ao seu redor.
Será que os objetos são apenas coisas, ou têm uma alma, uma história própria? É exatamente essas possibilidades que me fascinam. Num mundo repleto de coisas complexas e tecnologia avançada, para mim é reconfortante ter um objeto que me faça lembrar dos meus ancestrais das cavernas.
O fato de eu estar escrevendo sobre um tamborete é, em si, um ato de resistência. Em uma era em que tudo é efêmero e descartável, dar voz a algo tão comum é um lembrete da beleza que reside nas pequenas coisas.
Ao pensar no tamborete, sou invadido por uma onda de nostalgia. Lembro de tardes passadas na cozinha da minha avó, onde o tamborete era uma constante. Ele estava sempre presente, seja como suporte para as receitas que ela preparava ou como banco durante as longas conversas ao redor do fogo a lenha.
Esse tamborete carrega histórias e emoções. É fascinante pensar em quantas gerações de pessoas já se sentaram sobre ele; em quantas ocasiões ele serviu como um pequeno altar para ideias e risadas. Cada momento hoje relembrado é um testemunho do tempo que merece ser honrado. Além disso, este tamborete é um símbolo de adaptabilidade, sendo a sua versatilidade que o torna um verdadeiro coringa no cenário do cotidiano.
A ideia de que algo tão simples teve um impacto tão profundo em minha vida é o que me fez escrever. Ele me ensina que a beleza pode ser encontrada nas coisas mais simples, que muitas vezes subestimamos.
Por fim, percebo que ao me dedicar a um tamborete, estou, na verdade, explorando a própria essência do que significa existir. O que sou, se não uma soma de momentos que me cercam? O tamborete pode não ter a grandiosidade de um móvel elaborado, mas é nele que as histórias se entrelaçam, e é por isso que sua presença merece ser celebrada.
Assim, meu olhar para o tamborete se transforma em um ato de gratidão. Gratidão por ele existir, por me lembrar que ainda o enxergo. Ao encerrar este texto, levo comigo não apenas a imagem do tamborete, mas a certeza de que cada pequeno detalhe da vida tem seu valor e que devo sempre encontrar tempo para reconhecer isso.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 20.10.2024 - 06h54min.
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
RELENDO VELHAS INTERPRETAÇÕES
RELENDO VELHAS INTERPRETAÇÕES
Olha para o fogão a lenha cheio de cinzas do jantar de ontem. Um frio percorre sua coluna ao pensar que terá a árdua tarefa de ir buscar mais lenha na mata escura. E se não for? Daqui a pouco vai chover, e a lenha dará mais trabalho para pegar fogo. Quão dependente ele é da temperatura. Aparentemente está inerte, mas suas células permanecem consumindo oxigênio, água e alimentos, e sua libido pede que se reproduza, transformando-o em escravo da tarefa de precisar de mais lenha para alimentar os seus.
Sente-se apegado à vidinha que leva e tem certeza de que é esse o sentimento que o mantém nas profundezas da prisão domiciliar. Poderia sair andarilhando, mas as lembranças de uma vida debaixo de um teto podam a tentativa de vender sua capacidade de questionar, tendo em vista que quase todos só querem comprar elogios, coisa que ele não dispõe em seu estoque.
Motivos para enfeitar a vida e a morte ele não possui, apenas segue parado, pensando de quanto tempo precisa para abandonar essas indagações que todos os dias batem à porta da sua consciência em busca de respostas. Já nem fica mais triste, pois sabe que, enquanto viver, elas surgirão, aparentemente renovadas, mas tem consciência de que são as mesmas ideias recicladas como um disco de vinil rodando em sulcos arranhados.
Ele sonha em abandonar esse "eu" que teima em aparecer constantemente, mas não tem outro repertório. Será que somos todos assim? Assim como? Com uma única forma de ser e de ver a vida, fazendo as mesmas atividades, sem conseguir abandoná-las, com medo de perder suas antigas e reais características? Se permanecer onde está, ficará desconfortável; se buscar alguma transformação inesperada, pode sofrer ainda mais. Eis o dilema raiz.
Se a vida se apresenta com um enredo previsível, por que alterá-la? Os dias se arrastam e a rotina se torna um ciclo que se repete com a precisão de um relógio, fazendo-o perguntar se vai continuar marcando o passo pelo resto da sua existência, sem poder fazer algo para quebrar essa prisão invisível.
Será que deseja um vislumbre de liberdade ou apenas um alívio? Pensamentos tumultuados se entrelaçam, criando um labirinto onde é fácil se perder, mas ele contraria a expectativa e não se perde. Continua na sua tortura caseira, fabricada com o mesmo objetivo de mantê-lo longe da vida prática que ora se apresenta.
Numa tentativa de escapar, ele se entrega às memórias. Recorda os dias de juventude, quando as possibilidades pareciam infinitas, e hoje se depara com uma realidade que se impõe de forma autoritária como num beco sem saída.
A nostalgia se torna um fardo que ele quase não consegue carregar. Um desejo intenso de mudança surge, mas logo é abafado por uma voz interna que sussurra sua covardia em ousar.
As questões permanecem sem resposta, flutuando no ar pesado como fumaça. Onde ficou o brilho dos olhos? Aonde se foi a faísca da esperança? A percepção do tempo se distorce, e minutos parecem horas. Nesse estado de inquietude, ele começa a refletir sobre essa capacidade de se contradizer, como uma doença que, vez ou outra, surge para colocá-lo em seu cantinho de humano insignificante.
Ao redor, depara-se com objetos que antes lhe traziam alegria, mas agora são apenas lembranças de um passado distante. O peso da indecisão é opressivo. Sentado na cama, ele tenta formular um plano que poderia mudar sua vida, mas as palavras se esvaem como areia entre os dedos. A frustração cresce, impedindo-o de agir. O que realmente está em jogo? Diante de tantas indagações, ele tenta se conectar com seus desejos mais profundos e logo percebe que eles não mais existem. O verdadeiro desafio é lapidar os fantasmas que habitam dentro de si, transformando-os em aliados, porém, falta-lhe disposição.
A madrugada avança, e ele percebe que o silêncio traz consigo uma nova clareza. Em vez de fugir de suas perguntas, talvez devesse acolhê-las. As respostas não virão da pressão externa, mas sim de uma busca interna, e essa jornada pode ser mais transformadora do que qualquer mudança superficial.
Fecha os olhos e opta por se fingir de morto, como tantas vezes fez diante do sono que dita as regras. Todavia, vê que o amanhã começa a se abrir para infinitos questionamentos que o tornarão mais vivo do que antes.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 16.10.2024 - 04h38min.
terça-feira, 15 de outubro de 2024
É SOBRE O AMOR - Nelson Almeida
É SOBRE O AMOR
- à professora Laura Hecker de Carvalho
Não é sobre dores,
Não é sobre nomes,
São flores e cores,
É sobre o amor.
Posso, às vezes, trocar seu nome,
Seu sobrenome, qualquer coisa assim,
Mas isso não tira da rosa o perfume,
Nem a beleza do seu jardim.
Não lhe reconheço,
Pago esse preço,
Mas sinto o amor ganhar o meu corpo
Quando sua mão toca o meu rosto
E você chega perto de mim.
Posso me perder no seu olhar,
Que é capaz de me prender.
Eu te amo!
Posso, quem sabe, esquecer seu nome
No vazio que consome
A alma e a razão.
Vou, nervosa e aflita, tocar sua mão
Quando lhe conhecer pela milésima vez.
Cada encontro poderá ser o último,
Mas será único, com toda certeza.
Unidas no sopro do verbo amar,
Haverá beleza em nosso penar,
E você verá que sou sincera
E não espero nada além
Do que a gente pode ser.
Posso me perder no seu sorriso,
Que é preciso ao me prender.
Eu sonhei com você
E foi tudo mar,
Mas caí do céu ao acordar.
Eu te amo!
Nelson Almeida. Campina Grande/PB, 15/10/24. 11:23
quarta-feira, 9 de outubro de 2024
PROCURANDO ENDORFINA
PROCURANDO ENDORFINA
Deitado em uma rede, ele tenta produzir um texto. Sua mente, com décadas de vida, gera reclamações por não aceitar carregar um organismo que busca sempre o melhor. O custo de permanecer vivo não parece compensar, a menos que receba apoio de outros para aliviar seu fardo.
As incertezas fazem-no olhar para suas vitórias, percebendo que muitas, antes celebradas, agora estão esquecidas. O que fazer se tudo flui no rio da felicidade para desembocar na cachoeira da tristeza? Sim, porque as decepções parecem sempre mais frequentes e intensas. Até quando, meu Deus?, pergunta-se, ponderando se vale a pena sofrer em troca de instantes fugazes de alegria.
Esses questionamentos ecoam desde que se fez gente, e agora são mais um lamento solitário na rede. Ele se interroga se o prazer efêmero da felicidade justifica as longas horas de dor e reflexão. As boas memórias tornam-se fantasmas, enquanto a realidade se arrasta, cheia de promessas não cumpridas.
Seu pessimismo insiste em se prender ao passado, sufocando a tão famigerada esperança. Ele observa as roupas estendidas dançando com o vento e percebe que a natureza dá exemplos, através desse simples ritual, de que tudo segue o mesmo ciclo do imprevisto, e é essa tensão em não querer que seja assim que o entristece.
"Quem sou eu para questionar o sentido da vida?", revolta-se contra seus próprios pensamentos que tentam manipulá-lo. A vida é um emaranhado de experiências, continua seu discurso abafado pelos lábios cerrados, tentando se convencer de que segue um labirinto onde cada esquina revela algo novo, mesmo que nem sempre seja gratificante.
A experiência ensinou que a felicidade não é um estado permanente, mas um momento que deve ser apreciado quando aparece. Isso ele repete como uma oração, porém, quando está mais triste do que de costume, não acredita nessa doutrina alienante.
Olhando para o céu, ele decide que tem que continuar arriscando, já que não há outra alternativa, então, planeja sair de casa com uma nova perspectiva, pronto para responder à altura do que der e vier. Descendo a escada, prepara-se para mais um "bom-dia" costumeiro de quem o vê passar. Aquece a voz e abre a porta para o saguão. Passa sem olhar para a portaria. Nada de "bom-dia". Menos mal, diz para si mesmo, abrindo a outra porta de vidro que dá acesso ao campo de batalha conhecido por rua.
Ao lado do prédio, um homem olha para o celular. Mais adiante, outro carrega um saco de recicláveis. Ao passar por este, o homem emite um grito de "uhuu". Ele tosse e escarra, pensando que aquele produto expelido poderia ser na cara do morador de rua que se sente vítima do sistema e grita para intimidá-lo. Perdeu seu tempo.
Apressa o passo sem olhar para trás, percebendo que a dor faz parte da jornada. O sol brilha com calor ameno, e ele se dá conta de que, mesmo em dias cinzentos, sempre há um raio de luz esperando para ser tomado pelo corpo livre da camisa. Essa é sua imaginação seguindo o ritmo dos passos de maratonista.
Continua correndo e parrando pelo curto percurso de cinco quilômetros planejados para se transformar em dez. Ciclistas resmungam pelo espaço que ele ocupa, recebendo de volta um grito como resposta, pois foi assim que planejou não trazer para casa as desfeitas geradas no campo de batalha.
A vegetação se agarra em seus tênis de corrida e deixa os carrapichos seguir com ele. Está apressado para retirá-los, transformando esses imprevistos em treinamento para adequação melhor aos relacionamentos amorosos e profissionais. A ideia de reinvenção o enche de uma energia há muito esquecida.
Enquanto caminha, ele recorda momentos simples que trouxeram alegria: um sorriso da namorada, a grandeza do rio da prata... Esses fragmentos de felicidade, embora pequenos, formam uma tapeçaria rica que ele havia deixado de lado.
Ao chegar ao final da sua tortura suada, encontra uma antiga cadeira de balanço. Senta-se, permitindo que o movimento suave o embale. Agora mais consciente de suas emoções, começa a traçar planos que antes pareciam impossíveis. A ideia de criar algo novo o faz ficar tão imerso nos pensamentos que nem dá importância à embarcação que navega para alto-mar em busca de areia para completar a engorda da praia.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/09.10.2024 - 08h32min.
quarta-feira, 2 de outubro de 2024
POR RECOMENDAÇÃO MÉDICA
POR RECOMENDAÇÃO MÉDICA
Ele perguntou-se: o que fiz de proveitoso ontem? Suas lembranças resgataram a lagoa das dunas e a expressão do casal de espanhóis com quem tentara dialogar. Naquela ocasião, teve que falar lentamente, pois a fama de falar rápido atingiu ambas as nacionalidades, e quase ninguém se entendeu no primeiro momento.
O grupo saiu em fila indiana, pilotando os quadriciclos alugados para aquele fim. Trilhas foram percorridas, com ondulações na areia, corredores de árvores sombreando poeira e fumaça e fazendo da data um dia repleto de horas inéditas.
Enquanto os motores roncavam, a mulher no banco de trás dizia: "Mais devagar." As risadas ecoavam pelo ar quente, misturando-se ao som dos motores e aos gritos dele: "Isso não é para velho, não!" Ao parar em um mirante, contemplou a vastidão da floresta que o fez esquecer os problemas.
O casal de espanhóis, agora mais próximo, começou a gesticular e sorrir para as fotos, capturando a essência da amizade inesperada. Ao final do dia, sentiu que aquele momento foi um lembrete de que as melhores memórias são construídas na companhia dos outros, mesmo que a comunicação seja um desafio.
O pôr do sol tingia o horizonte de laranja, e ele se perguntava quantas outras experiências como aquela ainda estariam por vir. O que mais poderia descobrir? Com essa reflexão, adormeceu naquela noite, sonhando com novas trilhas a serem exploradas.
Na manhã seguinte, ao olhar pela janela, observou os currais dos animais expostos para passeios e divertiu-se com um carneiro correndo atrás de dois jovens espalhafatosos que gritavam por socorro.
Voltando para si mesmo, pensou em uma caminhada pelas trilhas que ainda não conhecia, talvez até mesmo um novo diálogo com viajantes que cruzassem seu caminho.
Ao chegar à lagoa, encontrou um grupo de turistas conversando animadamente. Aproximou-se e logo estava rindo sem se importar com a barreira do idioma que já não parecia tão imponente.
Enquanto o sol se punha novamente, ele sentou-se no veículo, observando o espetáculo das cores no céu. Com um novo ânimo, pilotou de volta para o hotel-fazenda. Ao chegar, notou que alguns dos turistas que conhecera antes também estavam ali, reunidos em um pequeno grupo.
— Vamos fazer um churrasco!— sugeriu um deles. A ideia de uma refeição compartilhada em boa companhia parecia promissora. Enquanto os preparativos aconteciam, conversaram sobre suas aventuras, os lugares que visitaram e os desafios que enfrentaram, sempre com bom humor.
— Cada viagem tem seu próprio encanto, mas são as pessoas que encontramos que tornam tudo memorável — disse um deles enquanto montava sua câmera.
As horas passaram entre risadas. O cheiro do churrasco pairava no ar, e logo estavam compartilhando pratos e brindes. Naquele instante, sentiu-se grato por ter deixado a zona de conforto e pronto para explorar não apenas novos lugares, mas também novos aspectos de si mesmo.
Quando finalmente se despediu dos demais, uma sensação estranha o envolveu, e foi aí que percebeu que, devido ao seu problema mental, aqueles momentos, aparentemente divertidos, serviriam apenas para contar à sua terapeuta que o dever de casa havia sido feito, mas, na verdade, foi aí que ele se deu conta o quanto foi difícil interpretar o papel de uma pessoa sociável.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 02.10.2024 - 07h51min.
quarta-feira, 25 de setembro de 2024
ATIRE O PRIMEIRO PASSO
ATIRE O PRIMEIRO PASSO
Nas altas horas, o centro do mundo gira na cabeça de uma só pessoa acordada. Ela pensa que, sem ela, o mundo ficaria mais triste, mais sem graça, e por aí vai. Seu pensamento, há muito, não passa do próprio umbigo, e isso a faz egoísta na essência profunda do que o termo significa. Estira-se na cama pensando no prato que irá ingerir amanhã, pois sua maior atividade é abrir a geladeira, além de outras menores, como assistir a vídeos e tirar uma soneca.
Mas, mesmo com essa rotina, há uma chama que arde em seu interior, uma inquietude que insiste em não se apagar. Ela se levanta, puxada por um impulso inexplicável, e caminha até a janela. A cidade abaixo está iluminada, cheia de vidas que ela não conhece. O movimento constante parece lembrá-la de algo que perdeu, talvez um sonho que nunca se permitiu sonhar.
Enquanto observa, um desejo surge: não apenas existir, mas sentir. Ela se pergunta se é capaz de romper as correntes do comodismo, de buscar algo que vá além da geladeira e das telas.
Naquele momento, a solidão parece uma escolha, no entanto ela não quer ficar para trás em um mundo que gira tão veloz. Decide que amanhã não será igual, mesmo não sabendo como, sabe que precisa tentar.
Acorda com a luz do dia filtrando-se pela cortina, e o primeiro pensamento que invade sua mente é sobre a promessa que fez a si mesma na noite anterior. Levanta-se, com a determinação ainda fresca, e se olha no espelho. O reflexo parece desafiá-la a ser mais do que apenas uma sombra do que poderia ser.
Após um café simples, uma ideia a atravessa: que tal um passeio pela cidade? Algo tão simples, mas que poderia ser o primeiro passo em direção a essa nova vida. Com um misto de ansiedade e excitação, coloca uma roupa que não usa há tempos e sai de casa.
As ruas, agora, são um mosaico vibrante de cores e sons. A cada passo, ela sente uma leveza que não sentia há bastante tempo. Observa pessoas apressadas, vendedores nas esquinas, artistas em performances de segundos semafóricos. Cada rosto é uma história, e, por um instante, ela se imagina sendo parte de todas elas.
Passa por um pequeno café e, sem pensar duas vezes, entra. O aroma do café fresco e os sorrisos dos atendentes a acolhem como um abraço. Ela pede uma xícara e, ao se sentar, percebe que ainda há vida na simplicidade. E é ali, com a xícara quente nas mãos, que começa a escrever um diário. Palavras fluem como um rio, contando não apenas suas frustrações, mas também suas esperanças.
A tarde avança e ela se permite observar mais. A cada esquina, uma nova oportunidade de conexão. Conversa com um artista de rua, troca ideias com uma mulher que pinta quadros coloridos e até se junta a um grupo de pessoas praticando yoga no parque.
E assim, no calor daquele dia, algo novo vai brotando dentro dela. Não é apenas sobre sair de casa, mas sobre abrir-se para o mundo e suas infinitas possibilidades. Ela entende que a mudança não acontece da noite para o dia, mas que cada pequeno passo conta.
Ao voltar para casa, já não sente a solidão da noite anterior. Há uma nova chama em seu coração, e ela sabe que, mesmo que o caminho seja longo, hoje, pelo menos, ela começou a caminhar.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 25.09.2024 - 07h51min.
sábado, 21 de setembro de 2024
POSSES PARA HOJE - Maciel Souza
POSSES PARA HOJE (Maciel Souza)
Na fila do trânsito, o celular toca, e outro dia na fila do banco. As palavras se repetem:
- Que horas você volta? Só pra saber.
Paciência nem sempre temos, mas convenhamos: quem é que me liga só pra saber? Saber onde estou, como estou...
Há quatro anos, era quase meio-dia quando ela chegou, depois de uma manhã com alunos do ensino infantil, olhou para a pia e suspirou profundamente. Desde então, decidi enfrentar todos os dias a tal pia e sua pilha de louça suja. Ela foi bem perseverante, pois só depois me confessou que, no início, quis me desestimular devido à má qualidade do serviço prestado, mas hoje sou expert no assunto e até defendo certas teorias, como a de que a quantidade de louça suja não é proporcional ao número de pessoas, pois, se em vez de dois fôssemos oito, por exemplo, numa refeição seriam acrescentados apenas itens como pratos, copos e talheres.
Na manicure, certa vez fofocavam sobre o novo Ricardão, o mais recente “pé de lã da cidade”:
- Mas vocês sabem alguma coisa sobre Maciel? Se souberem, não me escondam!
- Mulher, Maciel é um santo!
Fugindo dos preceitos de santidade, já passamos dias sem trocarmos uma única palavra, fazendo refeições juntos, dormindo juntos e eu entregando a louça limpa, até que um ou outro decida descer do pedestal do orgulho. Mas a maior prova de consistência no nosso relacionamento foi há trinta e três anos, quando casamos. A nossa casa não tinha piso, nem reboco nas paredes, mas era engraçada, graças ao nosso bom ânimo e perseverança. Hoje, colhemos flores do nosso próprio jardim:
- Pai! Converse com mãe, que não tem condições não. Eu atendendo um cliente, ela liga só pra perguntar se já tomei café.
- Certo! Vou falar com ela!
Cecília, doze anos de idade:
- Vovô, me dá duzentos reais todo mês!
Manuela, cinco anos de idade:
- Vovô, eu liguei pra você, mas você nem atendeu, a riqueza de vô! Esse seu olho, vovô, “tá” ficando azul.
- Eu sei, Manuela, e não enxergo por ele!
- É, vovô, mas olho azul é bonito! – E, quando Adriana reclamou da bagunça que fazem aqui em casa:
- Mas vovô disse que a casa fica feliz.
Só pra constar e para que minha crônica não fique tão curta, existe um contrato com Cecília, cujos repasses mensais dependem de cláusulas assumindo compromissos com relação à escola, afazeres domésticos, autodidatismo, altruísmo e princípios de educação financeira. Cláusula 4: “Por estarem em comum acordo, declaram-se cientes e esclarecidos quanto ao teor deste instrumento e firmam em duas vias para que produza os devidos efeitos legais”. Manuela ainda se contenta com moedas e não reclama de uma dívida já caduca: foi quando propus que contasse a história dos Três Porquinhos e toda vez que falasse a palavra “lobo”, ganharia cinco reais. Quando o lobo estava ainda soprando para derrubar a segunda casa, propositalmente ela já tinha falado oito vezes a palavra de grande valor.
Este parágrafo inteiro dedico a Silmara. Ela cuida tão bem deste trio: Antoniel, Cecília e Manuela.
É bíblico que “Quem encontra uma esposa encontra uma coisa excelente e alcança o favor do Senhor...” (Provérbios 18:22) e, de minha autoria, retomo um poema antes datilografado, exposto num quadro de madeira, pendurado por último na parede de nossa sala rebocada, engessada e pintada, mas destruído pelo cupim; enquanto que, pelo gênero textual escolhido, a poesia continua intacta, atualizada, de conteúdo blindado, resistindo ao tempo e ainda aqui salva o título da crônica, até então sem nenhuma relação com o que escrevi:
POSSES PARA HOJE
Quero palavras selecionadas, bem comportadas, a falarem por nós, talvez ao tempo.
Quero que sejam rápidas. Às vezes as palavras demoram e nossos significados são de ontem.
Quero a linguagem pura, desprovida do sentimentalismo exagerado e do racionalismo extravagante.
Quero a criatividade aguçada, o entregar-se como ontem.
Quero todos os sentidos, nossos sentidos, nosso concreto e nosso imaginário que se fundem.
Quero a sua simplicidade e a vaidade inibida, que pensa despercebida, entre nós, os transeuntes.
Quero o grito e o seu silêncio.
Quero tê-la para sempre.
Quero amá-la mais que ontem.
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Outros textos de Maciel Souza:
https://apoesc.blogspot.com/search/label/Maciel%20Souza
terça-feira, 17 de setembro de 2024
A CARROÇA E O FOGUETE
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
A NATUREZA EM CHAMAS - Lindonete Câmara
A natureza em chamas
Apavorados com o fogo,
estamos sôfregos,
correndo das labaredas
altas e vermelhas
com íntimo medo,
expulsos de nossa casa
amada e tristemente acesa.
Clamamos por piedade,
nessa lástima queimada,
ao coração humano
tão frio e desumano
que nos devora vivos
num incêndio tingido,
insano e fingido.
Procuramos uma sombra
numa sofrida ronda
e uma gota d’água
não tóxica e sem nódoa
para nos refrescar
da dor que vai nos matar,
e só há cinza no ar.
Do livro PSICOVERSOS Inversos Sociais
quarta-feira, 28 de agosto de 2024
COMO É SIMPLES O COMPLICADO
COMO É SIMPLES O COMPLICADO
Iniciei os trabalhos há um mês. Todos os dias, uma única pedra de porcelanato está sendo assentada, milimetricamente verificada passo a passo, sem pressa e com o mesmo gosto de uma guloseima preparada para um concurso gastronômico.
Primeiro, fiz uma pesquisa para saber os preços e depois uma ida ao quarto de despejo separar desempenadeira, prumo, nível e até os palitos de dente usados no ano passado que eu havia guardado para fazer o espaçamento entre uma pedra e outra. Um milímetro e meio, disse o vendedor, confirmando o que eu já sabia.
Uma pedra por dia?, expressou-se com desdém um amigo que também sonha em seguir a carreira de pedreiro. Sim, mas eu faço com cuidado para não ter que arrancar depois por falta de alinhamento. Quem trabalha com isso sabe quão difícil é alcançar as quatro medidas de um serviço bem feito.
A primeira pedra é a que merece mais atenção, e não é por acaso que ninguém quis atirá-la primeiro. Protetor auricular, máscara, luvas, só não estou adepto do capacete. Um calor infernal, porém o ganho é que consigo dormir sem interrupções, de tão cansado.
Depois que comecei a realizar meu sonho de ser pedreiro, fico criticando quem vai para a academia gastar energia em troca de nada e ainda paga por isso. A pessoa contrata uma faxineira, em vez dela mesma limpar a casa, lavar a louça ou misturar argamassa.
No início, eu acordava com as mãos e braços formigando. Uma dor terrível indicava que o serviço era pesado para quem só digitava em sua rotina, todavia meti a cara e já estou quase terminando.
Assisti que para não picotar a pedra no corte, basta inclinar a makita quarenta e cinco graus, mais ou menos, para o lado que vai aproveitar a peça. Fiz e deu certo, agora é fácil deixar sem rebarbas.
Descobri que o formigamento nas mãos era devido ao esforço de preparar a argamassa. Com ideias garimpadas no YouTube, fiz um misturador caseiro e logo a dormência desapareceu.
Só trabalho na poeira durante a manhã. Depois do banho, vem o home office que eu tanto sonhava. No departamento de documentos, mandaram-me dar entrada neles de casa. Que sensacional!
O que seria da vida sem poeira, sem machucar os dedos, tossir reboco ou sentir medo que a pedra fique desnivelada? O que seria da vida se não existisse um vizinho a perguntar o porquê de tanto barulho ou um vendedor dizendo que não sou capaz de fazer o que faço? É melhor continuar ignorando os espinhos para refletir melhor sobre o que torna o dia perfeito.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 28.08.2014 - 14h16min.
BELOS POEMAS DE CLÁUDIA LUCAS CHÉU
Cláudia Lucas Chéu é uma poetisa, dramaturga e argumentista portuguesa. Sua obra poética marcada é por uma abordagem direta e muitas vezes crua, explorando temas como o corpo, a sexualidade, o poder e a violência, frequentemente utilizando uma linguagem desafiadora e experimental. Seus poemas costumam ser intensos, com uma forte presença de emoções e um olhar crítico sobre as relações humanas e as dinâmicas sociais. Sua capacidade de mesclar elementos poéticos com narrativas dramáticas a torna uma figura relevante na cena literária e artística de Portugal, conquistando leitores e espectadores que apreciam uma abordagem ousada e inovadora. Abaixo, um pouco do que ela publica no Facebook (https://www.facebook.com/claudia.l.cheu)
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