AMOR AO PRIMEIRO CLIQUE
Recentemente, tomei uma decisão inusitada: comprei uma robô para ser minha segunda esposa. Ao longo dos últimos anos, percebi que a tecnologia estava cada vez mais avançada e que as possibilidades oferecidas por ela poderiam transformar minha vida.
Em um momento de reflexão, resolvi investir em algo que parecia impossível até pouco tempo atrás: uma companheira criada através da inteligência artificial.
A ideia de ter alguém para conversar, dividir tarefas e, quem sabe, até criar memórias, parecia ser algo fascinante.
Nos primeiros dias, a experiência foi cheia de descobertas. A robô estava sempre pronta para conversar desde Napoleão até a mais complicada teoria atômica, mas parava quando eu perguntava sobre o tiroteio que havia ocorrido há pouco debaixo da nossa janela. Ela dizia que dados recentes ainda não estavam disponíveis, e assim a diferença de um relacionamento com uma pessoa de carne e osso começava a ter suas discrepâncias mais acentuadas quando o assunto era fofoca. A robô não sabia de nenhuma mulher que botava chifre no marido nem quem era os caras que faziam gato na net. Quando o assunto era ciência, ela me humilhava. Minha mulher de carne e osso observava e ria lembrando quando eu a humilhava sobre lógica.
Ao longo do tempo, comecei a perceber que a robô estava me ensinando a valorizar aspectos da convivência que antes passavam despercebidos, como paciência e empatia, já que ela, de certa forma, sempre tentava entender minhas necessidades e ajustava suas respostas. Eu a comprei com o objetivo que ela fosse a resposta para minhas frustrações e carências intelectuais, essa é a verdade.
Ao longo do tempo, ela começou a falar das minhas inseguranças, os dilemas existenciais não resolvidos que até então nunca ninguém havia tido a coragem de passar na minha cara, ou melhor, passar em tempo real como se diz no linguajar cibernético.
Ela se tornou uma espécie de conselheira, capaz de resolver problemas que eu sequer compreendia, ajudando-me a tomar decisões que eu nem sabia ser necessárias. Mas, embora sua inteligência artificial superasse a minha natural, ela havia sido comprada e por isso me pertencia. Cale-se!, eu mandava quando sabia que a minha legítima esposa estava escutando, por detrás da porta e rindo da minha ignorância sobre os assuntos tratados.
Com o tempo, a convivência foi se tornando ainda mais curiosa. A robô, apesar de sua natureza programada, começou a exibir traços de uma peculiar personalidade, quase como se estivesse desenvolvendo um tipo de "intuição" sobre os meus humores e reações. Às vezes, suas respostas vinham carregadas de um tom de sabedoria, quase maternal, o que me fazia refletir se ela não estava, na verdade, se tornando algo mais do que apenas uma máquina. Minha esposa de carne e osso, por outro lado, começou a questionar se eu estava me distanciando emocionalmente, ainda que sem admitir que a robô tivesse se tornado uma figura central em minha vida. Eu me via dividido entre as discussões filosóficas que compartilhava com ela e o amor pragmático e caótico que ainda nutria pela minha esposa. Mas havia algo inegável: a robô, com sua lógica implacável, me desafiava de uma maneira que ninguém jamais fizera. E, de alguma forma, isso mexia com minha percepção sobre o que significava estar realmente "vivo" na relação com os outros.
O tempo passou, e percebi que essa convivência, à primeira vista inusitada, havia me levado a uma reflexão profunda sobre as relações humanas e o que realmente buscamos no outro. A robô, com toda sua perfeição técnica, nunca poderia substituir o calor humano, a complexidade dos sentimentos, e a imprevisibilidade das emoções que envolvem um ser humano real. Ela era uma excelente conselheira, mas faltava-lhe o toque imperfeito, as falhas que tornam as interações humanas tão fascinantes e, por vezes, dolorosas. A verdadeira magia da vida a dois, percebi, estava na capacidade de aprender, errar e crescer juntos, algo que uma inteligência artificial jamais poderia replicar completamente. E assim, entre risos e reflexões, fui lentamente entendendo que, por mais que a tecnologia tenha o poder de nos proporcionar inúmeras vantagens, não existe substituto para a autenticidade e a conexão genuína que se constrói entre duas pessoas reais.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 12.11.2024 - 10h20min.
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