segunda-feira, 21 de março de 2022

REFLEXO DA VAIDADE - Heraldo Lins

  


REFLEXO DA VAIDADE


Dandara estava gorda, cheia de doenças, mas pintava o cabelo. Ainda bem que existem roupas e joias para deixá-la menos feia. Seu compromisso em se enfeiar durante a passagem do tempo foi sendo alcançado. 

Por outro lado, o espelho e as imagens referentes a ela se mostravam o contrário. As pessoas, também, só conseguiam ver beleza naquele amontoado de gorduras. Então, como é possível isso? Perguntava alguém do lado de fora do seu ciclo de amizade. O fato é que Dandara conseguia hipnotizar todos os seus conhecidos para vê-la do jeito que achava que deveria ser vista. A hipnose era tão forte que até ela mesma se deixou levar pela ação do processo enganador. Não fazia academia, mas seus músculos estavam rígidos. 

Um dia o espelho quebrou-se e saiu outra Dandara de dentro dos estilhaços. Quem és tu? Perguntaram-se imediatamente. Dandara! responderam, também, simultaneamente. Mas Dandara sou eu! Eu sou Dandara! Para evitar passarem o resta da vida discutindo, houve interferência externa. Calma gente, é melhor vocês se conhecerem melhor. 

A Dandara do espelho disse que já estava cansada de se mostrar o que realmente nunca foi. As selfies que a perdoassem, mas agora estava pedindo demissão. Não, desesperadamente, a outra falou. Preciso me manter nesta fantasia ilusória para ser feliz. As pessoas nem mais me reconhecerão como a bela do Instagram, a chique do Facebook, estou perdida! Calma, legítima Dandara, disse a conciliadora. Ali está a nuvem, o sol, a brisa para você se deleitar. Chega de mesmice, isso todo nativo faz. Eu quero mostrar meu poder criando minha própria beleza. Esse mundo é mais belo do que o real. Posso colocar estrelinhas brilhando em cada sorriso que eu dou; as taças de vinho, eu arrumo do meu jeito. Aqui onde é meu habitat eu tenho o controle. Lá fora não há cílios postiços. Sou pobre de mente. Não consigo esticar meus ossos para ficar grande. Quero ficar nesse mundo da fantasia, onde posso transformar minha carroça numa carruagem. 

Nesse momento Dandara estava sozinha. Seu reflexo ideal e a sua criadora haviam lhe abandonado num mar de amargura. O que fazer? Perguntou-se. Foi até a cozinha preparar um guisado que há muito não comia. Deu de cara com uma criança. Quem és tu? Sou teu filho mãe, não está me reconhecendo? Não! Você existe realmente? Sim, já tenho dez anos. A senhora fez muitas fotos comigo no colo. Sua preocupação sempre foi em postar, postar e postar.

Dandara viu o quanto era difícil reconhecer aquela criança como sendo sua. Conhecia uma que havia feito retoques na imagem, mas não aquele ali que estava dizendo ser seu filho. O dela era totalmente diferente. E você quem é? Sou seu marido. Tem certeza? Absoluta! Como ele é feio na realidade, pensou Dandara e saiu em disparada para comprar outro celular.


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 19.03.2022  ─ 06:54


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