segunda-feira, 14 de março de 2022

PARA FEIOS E INIMIGOS - Heraldo Lins

 


PARA FEIOS E INIMIGOS


Muitos defendem a tese que “ninguém ama ninguém”. Advogam que amamos apenas o belo e a virtude, não tendo importância com quem esteja, se em uma criança, num homem ou numa mulher. Se isso é verdade, com o ódio deve acontecer o mesmo. Odiaríamos o estupro e o latrocínio, porém, nunca os estupradores, ladrões e assassinos. Na prática, não é isso que acontece. 

Defendem, ainda, que somos apenas meros “burros de cargas” desses atributos, e os sentimentos nos são direcionados conforme a qualificação que possuímos. Como ficam os sentimentos frente à deformidade tetraplégica em uma criança? Ama-se ou odeia-se aquela criança? A discussão não para.

Dizem que amamos a beleza, e se a pessoa amada perder a beleza, a beleza, em algum lugar, permanecerá sendo amada, mas não aquela pessoa que já a perdeu. Então, a pessoa seria apenas um objeto do amor/beleza tendo seu valor baseado nesse pré-requisito.

Não vejo muita diferença em um coelho e um sapo, em termos funcionais. São animais com mesma logística do sistema digestivo, então, por que escolhemos um coelho em detrimento de um sapo? 

A mulher idosa, na maioria das vezes, gosta de cozinhar, costurar, limpar, enquanto a novinha, de dançar, sorrir, namorar. Do mesmo jeito do sapo e do coelho, escolhemos o coelho para conviver. O coelho nos enche os olhos com sua beleza, mas se o coelho está magro, canceroso ou em coma, deixamos de amá-lo. Troca-se de coelho, afinal, "Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental". Apesar de discordar, em parte, de Vinícius de Morais, é esse o pensamento vigente na atualidade.

Quando a virtude está junta à beleza, é bem mais fácil se amar quem as carrega.  Podemos dizer que se o amor está atrelado à beleza e à virtude, vai por terra a expressão: "amai-vos uns aos outros, como eu vos amei", e aí as dúvidas ressurgem bandeando-se para o lado da religião. 

Muita gente confunde amor com vontade de abraçar, com vontade de fazer sexo, com vontade de levar o ser amado para casa e dar banho, dar de comer e beber, e ainda lhe providenciar um bom sono. O amor é um sentimento que não diz nada com o fazer. Quem ama não precisa demonstrar através de fala ou gestos. Se o fizer, para provar seu amor, deixa de ser amor e passa a ser conveniência. O amor é sentido apenas com o intelecto. Fora disso é dissimulação.

Mas afinal, onde está o amor? Acredito que o amor vive à distância. Gosto de dizer que amo meus inimigos, desde que eles permaneçam bem longe. Amo as feias, desde que, também, fiquem distantes. 

Mas isso não deve ser uma fórmula a ser seguida. Se assim fosse, teríamos que dispor de vários planetas para manter os feios e inimigos longe. Eu, você, somos, também, vistos como feios e inimigos de muito, e assim por diante. 

Se precisássemos manter feios e inimigos à distância, a própria espécie humana estaria ameaçada de extinção, tendo em vista que nem todos os médicos são bonitos, nem todas as enfermeiras são magras, nem todos os policiais são nossos amigos. E agora?


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 11.03.2022. - 07:49







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