quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

BOAS FESTAS - Heraldo Lins

 


BOAS FESTAS


Ontem fui a uma confraternização. Encontrei pessoas desconhecidas por lá que me encheram de alegria. Estava "junto e misturado" sendo aceito de bom grado. Todas com o sorriso estampado dizendo seja bem-vindo. 

Hoje estou mal. Aquela festa acabou comigo. Tive que ser o que não sou por umas quatro horas. Estive sempre fingindo simpatia, educação, com olhares estirados para as lindíssimas. Que droga, não peguei ninguém. Acho que nunca mais terei oportunidade de ver outras daquelas, com saia justas, decotes soltos, Et cetera nem cabe aqui, mas para não entrar em detalhes vou deixá-lo. 

Na hora do W.C. havia fila e eu pensando: vão tirar a roupa daqui a pouquinho. Que beleza! Eram como novilhas querendo sair para o pasto. O touro velho, no caso eu, só observando e sentindo o cheiro da novilhada. 

Havia crianças fazendo o que sempre fizeram: GRITAAAAR. Que maravilha estar lá naquele restaurante apertado com gente e gente falando alto e muito alto o tempo todo. Teve um momento em que eu precisei berrar para continuar a conversa com uma desconhecida ao lado. Não poderia perder a oportunidade de olhar em seus olhos por alguns instantes. Sabia que nunca mais ela iria me dar atenção, então, teria que aproveitar ao máximo. Sua condição de sentada olhando para uma parede branca me fez ser “a bola da vez”. Eu sabia disso e explorei meu conhecimento de maquiagem que aprendi para estas ocasiões.  

Ela ficou vermelha quando eu disse que naqueles seus lábios cabia um batom carmim, com um brilho sabor cereja. Pedi a ela para abrir um pouco a boca e passar a língua entre os lábios. Ela riu e eu fiquei eufórico. Está caindo na minha conversa, pensei. Depois falei que ela poderia fazer um ensaio fotográfico enfatizando sua boca. O zoom seria dado quando ela passasse a língua do jeito que ela havia demonstrado há pouco. Eu ficava gritando porque o ambiente não me deixava sussurrar. As outras vizinhas entraram no clima e começaram a se lamber. Daqui a pouco todas as "confraternizantes" estavam fazendo isso. Os barulhos cessaram e em seguida os acompanhantes delas passaram a me socar. A sorte foi elas não deixarem que o linchamento acontecesse. Voltamos ao normal porque a troca de presentes iria começar. Eu não estava no rol de amigos secretos porque não fazia parte da turma. Era um convidado. Fiquei procurando um lugar para me esconder. Meu golpe do batom havia sido descoberto e eu só queria uma pessoa para conversar. Não aguentava mais ouvir os discursos daquela brincadeira. 

Um colega que havia chegado depois da surra, sem saber de nada, recebeu-me com alegria para conversar. Adentrei a um assunto que a todos interessa e quase ninguém tem coragem de falar: o suicídio. Comecei enfatizando as vantagens de deixar de pagar impostos, ficar livre das filas e vacinas. Ele ficou muito admirado pelo meu conhecimento das razões que fazem alguém querer deixar de ser escravo. Conversa vai e conversa vem ele realmente confessou-me que está com umas dívidas e só há duas maneira de escapar dos agiotas: é se matando ou prostituindo a filha. 

Ele me disse que toda semana o credor vai lá querendo alugá-la. Em troca das dívidas ele cederia Júlia para o ricaço usá-la durante cinco anos. Diante daquela situação sem saída, foi que ofereci que ele usasse minha invenção, que consiste em um aparelho para matar através de chamada telefônica. Ele registra o número da futura vítima e um som emitido através do telefone explode a cabeça de quem escuta a chamada, inclusive, não deixando rastro da ligação. O mercado negro paga bem por cada ligação direcionada. Não sei se irá aceitar, mas, caso não aceite, já gravei o seu número.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Santa Cruz/RN, 18.12.2021



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