sexta-feira, 8 de outubro de 2021

TRANCOSO DO SERTÃO - Heraldo Lins

 


TRANCOSO DO SERTÃO


O compadre, que morava na fazenda, tinha um cavalo de raça. Quando alguém chegava para conversar, muitas histórias contadas pelo compadre referiam-se ao cavalo. Parecia que o bicho nem ficava doente, pelo contrário, se houvesse alguém enfermo bastava andar no cavalo que ficava bom. Muita gente acreditava no valor terapêutico e trazia os doentes para testarem o passo suave do animal. Na casa sempre tinha visitas que ficavam até por seis meses sem que o compadre se mostrasse constrangido. A única coisa que o visitante teria que fazer era mostrar-se animado ao escutar as histórias. 


Depois da energia elétrica instalada, o compadre viu sua plateia migrar para as novelas, mas em pouco tempo voltaram todos. O alpendre era o local mais bem cuidado da casa. Enfileirou cadeiras e era lá que servia o cafezinho para despertar. A maioria dos vizinhos vinham atrás do café que ele servia sem economizar nas bolachas secas. 


Acreditar no cavalo era uma forma de mantê-lo contente. Muitas vezes os vizinhos fingiam indisposição só para fazer valer a tradição da cura. Quase toda semana havia alguém pronto para andar no cavalo. Bastava um deles não ter conseguido o dinheiro da feira que batia à porta do compadre querendo ser curado. Seu prazer estava exatamente em provar sua teoria curativa. 


De cada filho ele tinha uma história para contar. O mais recente quase seria comido por um gavião que estava destroçando o rebanho de ovelhas. O pássaro pressentindo que a criança estava sozinha no terreiro tomando sol, lançou seu ataque grudando as garras no casaco de lã. Quando levantou voo o casaco saiu pelos braços e o menino voltou para o carrinho. Ele só notou quando viu o menino nu e o gavião levando o casaco em voo. 


Ele gosta de contar sentado na cadeira de balanço: fica sério, olha para o alto e começa a desfilar suas verdades. Quando tem criança na plateia adora contar histórias de assombração. No meio da história é de se notar o compadre em pé gritando ou se esgueirando fazendo os trejeitos dos personagens. Se os meninos cochilarem ele chuta uma lata que fica perto da cadeira ou pede a alguém para sacudi-la no meio do alpendre. Muitas vezes é menino para tudo quanto é lado. É um salve-se quem puder indicando o final da noite de histórias. 


Os meninos sempre ficam repetindo como verdade o que o compadre contou na noite passada. O juazeiro em cima da ladeira é o cenário ideal para criar almas penadas. Muitos meninos cortam caminho quando vão para a escola pela manhã. Acreditam que o verde do juazeiro é aguado pela urina das almas que lá moram. Uma coisa que o compadre não admite é ser chamado de mentiroso. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 06/09/2021 – 15:23



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