NINGUÉM ESCAPA
A
gula está em dieta vigiada. Claro que não parou de comer, mas está
usando uma seringa para se alimentar. Passa o dia correndo para esvaziá-la. Eu
disse correndo porque a nutricionista recomendou que deixasse o alimento na
cozinha. Só deveria comer quando estivesse sentada no jardim. São vinte metros
de maratona. Ela está exausta e perdendo peso. Sente saudade do tempo em que
era valorizada. Eu particularmente sou a favor da gula. É por causa dela que
não morremos de fome. Mas o problema é que se ficarmos muito a favor, a gula começa
a usar seu poder demasiadamente e o resultado é gordura sobrando. Por isso ela
já foi enquadrada em um dos sete pecados capitais. Gregório Magno a enquadrou
assim. Não gostava dela e nem das outras seis que fazem parte dessa turminha. Elas
tentam até hoje uma vida independente, mas não conseguem se separar. Dizem até que
a gula tem um caso amoroso com a avareza. Mas são boatos. A avareza
jamais terá coragem de gastar dinheiro com a gula. Inclusive a mesquinha avareza
nunca compra sua própria alimentação. Imaginem sustentar alguém!? Ela é tão
avarenta que cata restos de comida no lixo para poupar seu valioso dinheiro.
Mesmo morando no mesmo prédio, todas têm quartos individualizados. A inveja
está sempre querendo saber o que as outras estão comprando. Imita-as. Não
sossega um minuto. A ira tem ódio porque a inveja faz isso. De tanto ser
explosiva, a ira não consegue prosperar. Tudo joga fora. Basta uma televisão
dar um pequeno defeito que ela quebra com marretadas; se na geladeira a garrafa
d’água estiver vazia, corta-a de faca; quando o celular trava, atira-o pela
janela; se o automóvel apresenta defeito ela o queima. Todas evitam a ira. Mas
a soberba, além de evitá-la, comenta que esse procedimento é coisa de
gente baixa. Ela sim, é fina, educada e jamais terá coragem de armar barraco. Tem
sangue azul. A soberba se avalia superior. Inclusive sempre discrimina os muitos
namorados da luxúria. O quarto da luxúria permanece, a todo momento, cheio
de homens. Ela namora vários ao mesmo tempo. Na frente da casa estacionam limusines, carros,
caminhões, motos, cavalos e até bicicleta. Qualquer homem está convidado para a
festa que não tem fim. Ela consegue dinheiro vendendo o corpo. Aliás seu corpo
sempre está bem cuidado e cheiroso. Há
uma curiosa particularidade nesse prédio. É que todas as moradoras se dão muito
bem com a preguiça. Inclusive a luxúria. As festas permanentes nunca
contam com a presença da preguiça. Ela, mesmo deitada, acha muito trabalhoso
namorar. Falar mal das outras, nem pensar. Gosta de comer desde que alguém
prepare a comida. A preguiça nunca tem disposição para se enraivecer. Vive
calma, serena e é a favor da paz mundial. Guerra custa vidas, diz ela. Tem, de
sobra, paciência para escutar todas as amigas. A soberba aproveita a
disponibilidade da preguiça para se vangloriar. A preguiça só escuta, e, para
não perder tempo criando polêmicas, balança a cabeça concordando com tudo. E
assim elas vivem se tolerando. O prédio onde moram é chamado de ser humano. Por
favor não me pergunte o porquê desse nome.
Autor: Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 25/11/2020
Heraldo Lins é arte-educador
Zap:
84-99973-4114
Email: showdemamulengos@gmail.com
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