quinta-feira, 26 de novembro de 2020

NINGUÉM ESCAPA - Heraldo Lins

 


NINGUÉM ESCAPA

 

 

         A gula está em dieta vigiada. Claro que não parou de comer, mas está usando uma seringa para se alimentar. Passa o dia correndo para esvaziá-la. Eu disse correndo porque a nutricionista recomendou que deixasse o alimento na cozinha. Só deveria comer quando estivesse sentada no jardim. São vinte metros de maratona. Ela está exausta e perdendo peso. Sente saudade do tempo em que era valorizada. Eu particularmente sou a favor da gula. É por causa dela que não morremos de fome. Mas o problema é que se ficarmos muito a favor, a gula começa a usar seu poder demasiadamente e o resultado é gordura sobrando. Por isso ela já foi enquadrada em um dos sete pecados capitais. Gregório Magno a enquadrou assim. Não gostava dela e nem das outras seis que fazem parte dessa turminha. Elas tentam até hoje uma vida independente, mas não conseguem se separar. Dizem até que a gula tem um caso amoroso com a avareza. Mas são boatos. A avareza jamais terá coragem de gastar dinheiro com a gula. Inclusive a mesquinha avareza nunca compra sua própria alimentação. Imaginem sustentar alguém!? Ela é tão avarenta que cata restos de comida no lixo para poupar seu valioso dinheiro. Mesmo morando no mesmo prédio, todas têm quartos individualizados. A inveja está sempre querendo saber o que as outras estão comprando. Imita-as. Não sossega um minuto. A ira tem ódio porque a inveja faz isso. De tanto ser explosiva, a ira não consegue prosperar. Tudo joga fora. Basta uma televisão dar um pequeno defeito que ela quebra com marretadas; se na geladeira a garrafa d’água estiver vazia, corta-a de faca; quando o celular trava, atira-o pela janela; se o automóvel apresenta defeito ela o queima. Todas evitam a ira. Mas a soberba, além de evitá-la, comenta que esse procedimento é coisa de gente baixa. Ela sim, é fina, educada e jamais terá coragem de armar barraco. Tem sangue azul. A soberba se avalia superior. Inclusive sempre discrimina os muitos namorados da luxúria. O quarto da luxúria permanece, a todo momento, cheio de homens. Ela namora vários ao mesmo tempo.  Na frente da casa estacionam limusines, carros, caminhões, motos, cavalos e até bicicleta. Qualquer homem está convidado para a festa que não tem fim. Ela consegue dinheiro vendendo o corpo. Aliás seu corpo sempre está bem cuidado e cheiroso.  Há uma curiosa particularidade nesse prédio. É que todas as moradoras se dão muito bem com a preguiça. Inclusive a luxúria. As festas permanentes nunca contam com a presença da preguiça. Ela, mesmo deitada, acha muito trabalhoso namorar. Falar mal das outras, nem pensar. Gosta de comer desde que alguém prepare a comida. A preguiça nunca tem disposição para se enraivecer. Vive calma, serena e é a favor da paz mundial. Guerra custa vidas, diz ela. Tem, de sobra, paciência para escutar todas as amigas. A soberba aproveita a disponibilidade da preguiça para se vangloriar. A preguiça só escuta, e, para não perder tempo criando polêmicas, balança a cabeça concordando com tudo. E assim elas vivem se tolerando. O prédio onde moram é chamado de ser humano. Por favor não me pergunte o porquê desse nome.

 

Autor: Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 25/11/2020

 

Heraldo Lins é arte-educador

Zap:  84-99973-4114

Email: showdemamulengos@gmail.com

 

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