quinta-feira, 29 de agosto de 2019

TROVAS ECOLÓGICAS DE CHICO GABRIEL




Francisco Gabriel Ribeiro está para a trova como Gabriel "o Pensador" está para o rap e Gabriel García Márquez está para a prosa. Não é por acaso que tem recebido diversos prêmios, nacionais e internacionais! -  Gilberto Cardoso Dos Santos



Uma gota de tristeza
brota da face da aurora
quando, em busca de riqueza,
o homem empobrece a flora.

Quando nos falta decoro,
e no chão fazemos furo,
estamos plantando choro
na colheita do futuro.

Cessa a escassez por inteiro,
antes do seu nascimento,
quando matarmos primeiro
pobreza de pensamento.

A fome, sem grandes obras,
não matará suas presas,
quando doarmos as sobras
do que sobra em nossas mesas.

Se pensarmos no futuro
e nas futuras plateias,
não plantaremos no escuro
as sementes das ideias.

A família educativa
vislumbra sempre a inclusão,
mantendo a esperança viva
na força da educação.

Grande conquista virá
quando unirmos desiguais,
pois o talento não está
nas aparências iguais.

Na gestão d’água convém
meditarmos, num segundo,
se estamos cuidando bem
do bem mais caro do mundo.

Será mais alto conceito,
se o progresso for fecundo,
e a todos der o direito
à energia do mundo.

Para um futuro feliz
plantemos no chão fecundo
trabalho... a grande raiz
que mata a fome do mundo.

Pensemos bem no futuro,
evitemos rumo triste…
Sem ter um pilar seguro,
a construção não resiste.

Quando nossas mãos se unirem
pensando em nossos irmãos,
não os veremos sucumbirem
pela carência de grãos. 

Merecem as nossas palmas
os que enxergam lugarejos
sendo redutos com almas,
e não quartos de despejos.

Um consumo consciente
não fere a aba da serra,
projeta o meio ambiente
para o futuro da Terra.

Nosso clima ressequido
merece reparo urgente,
acalentando o gemido
das dores que a Terra sente.

Se nós cuidamos dos mares
com afinco mais profundo,
fugiremos dos pesares
pela falência do mundo.

Matemos a motosserra, 
trilhemos no rumo certo,
para que o peito da Terra
não se transforme em deserto.

Matemos o ódio e a cobiça,
plantemos amor profundo,
pois, florescendo a justiça,
desabrocha a paz no mundo.

Criemos uma fortaleza
da força que a união faz,
globalizando a riqueza
pela construção da paz.

Francisco Gabriel Ribeiro (Chico Gabriel)

__________________________

Concurso principal nacional/internacional  - Tema:  Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade.


Trova 1 – Classificada em 3° lugar

Uma gota de tristeza
brota da face da aurora
quando, em busca de riqueza,
o homem empobrece a flora.

Trova 2 – Não foi classificada

Quando nos falta decoro,
e no chão fazemos furo,
estamos plantando choro
na colheita do futuro.

Concurso paralelo: Conjunto com os 17 objetivos. 

Objetivo 1 – Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;

Cessa a escassez por inteiro,
antes do seu nascimento,
quando matarmos primeiro
pobreza de pensamento.

Objetivo 2 – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável;

A fome, sem grandes obras,
não matará suas presas,
quando doarmos as sobras
do que sobra em nossas mesas.

Objetivo 3 - Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; 

Se pensarmos no futuro
e nas futuras plateias,
não plantaremos no escuro
as sementes das ideias.

Objetivo 4 - Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;

A família educativa
vislumbra sempre a inclusão,
mantendo a esperança viva
na força da educação.

Objetivo 5 - Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas;

Grande conquista virá
quando unirmos desiguais,
pois o talento não está
nas aparências iguais.

Objetivo 6 - Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e o saneamento para todos;

Na gestão d’água convém
meditarmos, num segundo,
se estamos cuidando bem
do bem mais caro do mundo.

Objetivo 7 - Assegurar a todos o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia;

Será mais alto conceito,
se o progresso for fecundo,
e a todos der o direito
à energia do mundo.

Objetivo 8 - Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos;

Para um futuro feliz
plantemos no chão fecundo
trabalho... a grande raiz
que mata a fome do mundo.

Objetivo 9 - Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação;

Pensemos bem no futuro,
evitemos rumo triste…
Sem ter um pilar seguro,
a construção não resiste.

Objetivo 10 - Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles;

Quando nossas mãos se unirem
pensando em nossos irmãos,
não os veremos sucumbirem
pela carência de grãos. 

Objetivo 11 - Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis;

Merecem as nossas palmas
os que enxergam lugarejos
sendo redutos com almas,
e não quartos de despejos.

Objetivo 12 - Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis;

Um consumo consciente
não fere a aba da serra,
projeta o meio ambiente
para o futuro da Terra.

Objetivo 13 - Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e os seus impactos;

Nosso clima ressequido
merece reparo urgente,
acalentando o gemido
das dores que a Terra sente.

Objetivo 14 - Conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável;

Se nós cuidamos dos mares
com afinco mais profundo,
fugiremos dos pesares
pela falência do mundo.

Objetivo 15 - Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade;

Matemos a motosserra, 
trilhemos no rumo certo,
para que o peito da Terra
não se transforme em deserto.

Objetivo 16 - Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis;

Matemos o ódio e a cobiça,
plantemos amor profundo,
pois, florescendo a justiça,
desabrocha a paz no mundo.

Objetivo 17 - Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Criemos uma fortaleza
da força que a união faz,
globalizando a riqueza
pela construção da paz.
__________________________


Obs. Trova de n° 11 foi classificada em 2°, entre as trovas isoladas. O meu conjunto de trovas não ficou entre os três vencedores. 

A insustentável leveza de ler - Luzia Pessoa de Araújo


Solicitei à excelente educadora Luzia que escrevesse suas memórias de leitura e o resultado foi maravilhoso! A começar do título, o texto já nos encanta! A leitura se dá pelo exemplo, pelo contágio. Espero que este testemunho de amor pelos livros cumpra importante papel neste país de analfabetos funcionais.

Inspirado na foto e no exemplo de vida que ela tem dado, eu digo: 

Luzia é luz, alegria
altruísmo, poesia
Roseiral em floração
Bem que Drummond já dizia
Que uma Pessoa "Luzia
Na janela do sobradão".





A insustentável leveza de ler

É mister reconhecer que a leitura é um hábito que podemos adquirir. Lemos por prazer, para estudar e para nos informar. 
Como me tornei leitora? Fiquei pensando na minha trajetória e como adentrei nesse mundo de encantos e fantasias. Através da leitura, já andei o mundo inteiro com os pés no chão e a cabeça nas estrelas. Aprendi a ler antes de ir para a escola. Não era algo extraordinário esse feito. Era algo natural nos idos anos 70. A minha mãe tinha amor pelos livros, revistas e novelas radiadas. Minhas irmãs leitoras assíduas de fotonovelas. Gêneros extintos. As novelas de rádio eram espécies podcasts sequenciados.
Meus irmãos liam folhetos de bolso cuja temática era faroeste, revista Tex e Zagor.  As bancas vendiam revistas Capricho e Sétimo Céu.  Esta preto e branco, aquela em cores. Eram semanais e fisionômicas aos mangás, preservando as características, eram modismo como as séries contemporâneas.
Todo mundo do meu mundo lia por escambo, empréstimos. Nunca soube  quem comprava livros  como  Christiane F, Com Licença , Eu Vou à Luta, Pássaros Feridos, Papillon, Perdidos Na Noite, Laços De Ternura, O Lobo da Estepe, Fernão Capelo Gaivota, Ninguém É De Ninguém, 79 Parq Avenue, As Sandálias Do Pescador, Complexo de Cinderela, Síndrome de Peter Pan, A Queda Para o Alto, A Carícia do Vento, Enterrem Meu  Coração Na Curva De Um Rio, Ainda Resta Uma Esperança, Horizonte Perdido... Além da grande maioria dos clássicos da Literatura Brasileira e da Literatura Universal que eu li na minha infância e adolescência.
Possuía a dádiva de ser vizinha da biblioteca municipal. Era comum doadores deixarem livros na minha casa quando a biblioteca estava fechada. Foi numa ocasião dessas que conheci Clarice Lispector...tive estranhamento. Diria um "supapo", um "catabilho”. Não tínhamos dinheiro para comprar livros, mas eles surgiam. Meu pai falava muito em São Saruê e, naquela época, certamente era de lá que eu colhia, no pé de livros, essas maravilhas. Foi com grande espanto que na faculdade estudei a terra prometida que meu pai, que não sabia ler, tanto me falava.
O livro Cem Anos de Solidão era tão centenário quando chegou lá em casa que colecionei as traças que comeram a palavra: Macondo.  Eu li:  "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo (Nome que a traça comeu) era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo(...)"
Deixo aqui nesses escritos a recomendação, quase que um dever, dessa leitura de Gabriel García Márquez.  
Entrei no curso de Letras por amor aos livros. Lá conheci   James Joyce, André Gide, Dostoievski (demorei para saber pronunciar), Goethe (ainda não sei falar direito esse nome) Oscar Wilde traduzido por Clarice, Florbela Espanca, Rosa e Pessoa. São tantos...e eu tão pouca. O poeta tem razão. É vã lutar com as palavras...sou pacífica com elas.
Das revistas em quadrinhos até Adélia Prado e O Homem Da Mão Seca tem sido um longo caminho. No ofício de professora leio muito, porém tenho sentido falta da leitura por fruição. Tenho feito leituras obrigatórias, textos curtos, livros didáticos. Este ano li o primeiro volume de uma ficção dos anos 80. Uma distopia apócrifa e uma biografia. Ganhei livros e dei livros. Adquiri um leitor digital, um Lev. A promessa é de armazenar 8 mil livros. É preciso não ter como absurdo o novo, mas nada se compara ao livro físico...faz parte da gente sentir texturas e cheiros. É uma necessidade sinestésica.
A leitura é o único mecanismo que nos tira dessa dura realidade. Não sou purista. Li alguns cânones, Júlias e Sabrinas e todos me constituíram e me constituem como leitora.  Leio, sem cesurar, posts diversos nas redes sociais, pois   concebo como valioso todo ponto de partida ou de chegada para a leitura que sempre estará lá... espreitando e acontecendo, bendita ou (mal)dita. Tenho admiração pela inspiração dos escritores, gosto da forma como os livros tocam a imaginação e o coração das pessoas. Por fim, leia. Leia para se salvar da caminhadura. Leia porque os livros são maquinas de transformações, janelas do mundo. Aceite o conselho de Voltaire: leia porque a leitura engrandece a alma.



quarta-feira, 28 de agosto de 2019

CARTA A UM CRÍTICO DE MEUS VERSOS



CARTA A UM CRÍTICO DE MEUS VERSOS (Gilberto Cardoso dos Santos)

Meu poema FUMAÇA ACIMA DE TUDO teve grande repercussão nas redes sociais. A poetisa e cordelista Cláudia Borges, por exemplo, não só fez comentários positivíssimos como me falou de muitos outros que o haviam lido e elogiado.
Eis o poema:



 Nando Poeta o divulgou e recebeu de um de seus contatos o seguinte comentário:

“Quando a resposta do artista diz que Deus tocou fogo em Sodoma, está reforçando a tese do adversário, de que Deus é vingativo e está acima de tudo. Deus não está acima e nem abaixo de tudo, Deus é a causa primária do universo e a inteligência suprema. Seria muita burrice, tocar fogo numa cidade em razão dos "pecados" ou vícios de parte de seus habitantes. Isto é totalmente contraditório com a inteligência e justiça divinas.
O artista fala do ópio se referindo a religião como ópio do povo, a religião fundamentalista é realmente ópio, mas, Deus não tem nada a ver com religião. Religião é criação humana.
O artista tão ignorante quanto Bolsonaro sobre Deus, fala que Deus a tudo escuta, mudo. Deus não intervém nas ações humanas, se fizesse isso, seria contraditório com o nosso livre arbítrio dado por ele. E Deus não revoga suas leis, pois, se fizesse isso não seria perfeito.
Quando o artista fala na sarça ardente e na mão do onipotente, ele se refere a Moisés no Monte Horeb. Segundo a Bíblia Deus apareceu a Moisés e mandou ele libertar o povo hebreu escravizado no Egito. Neste episódio apareceu um fogo que não consumia a sarça(arbusto). O artista diz para não ver na sarça ardente a mão do onipotente, aí ele acerta na comparação com o fogo que consome a Amazônia, que é ação humana e não Divina. Já no final, o artista compara Bolsonaro a um cão miúdo. Aí mais uma vez ele reforça a visão fundamentalista religiosa que criou um cão ou diabo com poder igual a Deus. O cão ou demônio simplesmente não existe, seria contraditório  com o poder absoluto de Deus. A existência de um ser rival tão poderoso quanto Deus é invenção do homem. Esta visão do artista reforça a concepção fundamentalista de que o mal é feito por um cão poderoso, comparando a Bolsonaro. O artista tira do homem a capacidade de fazer o bem ou o mal e joga para o sobrenatural, reforçando o misticismo.
Eu não conheço o artista Gilberto Cardoso. Mas, sei que sua arte é livre e independente de minhas concepções e análises. Entretanto, Se vc achar interessante e produtivo, repasse meu comentário sobre a obra para ele.
E se ele quiser conhecer que é Deus e como funciona sua justiça e poder absolutos, recomendo ler o livro dos espíritos de Alam Kardec.
Eu teria feito diferente. A resposta materialista reforça a pregação dogmática, fundamentalista e a fé cega.
A única resposta consequente para a utilização indevida do nome de Deus por políticos oportunistas e por falsos profetas é usar o ensino lógico de Jesus em contraposição aos absurdos que eles pregam.

Escrevi uma carta e enviei-a não apenas para quem fez a crítica, mas também para Nando, intermediador de nossa conversa. Nando disse-me:

Perfeito. Ficou muito boa, com embasamento. Seria legal publicar todo esse debate. Isso seria um ensinamento para o mundo dos poetas, aprenderão que as críticas são bem vindas e a contestação tem que ter argumentação com embasamento. Parabéns!


Eis a carta:

Caro Belchior,  recebi com apreço sua crítica. 

Vi sua análise como construtiva, pois me faz repensar o fazer poético. Encanta-me perceber as diferentes percepções em torno de qualquer assunto, algo tão inerente à espécie humana. A Bíblia, por exemplo, o livro O Capital de Marx e até mesmo a Constituição dão margem a diferentes entendimentos. Parece- me não haver exceção à regra, exceto na leitura de manuais puramente técnicos.

Não me surpreende, portanto, nem vejo como negativo o que disse. Foi bom, depois de vários elogios ao texto, ouvir uma observação divergente. Quem me garante que os que aprovaram o texto tiveram dele o mesmo entendimento que eu? 

A poesia pode se dar a esse luxo de ser ambígua, de permitir e espelhar diversos olhares. 

A primeira coisa a se fazer na leitura de um poema é separar o eu- poético do autor. Às vezes temos um choque entre o que diz ou deixa de dizer um poeta quando comparamos o escrito à vida daquele que o produz. Isso às vezes ocorre de propósito, como bem o fazia Fernando Pessoa ao criar heterônimos, tão diversos entre si e de quem os concebeu.

Outra coisa: nem sempre o que ouvimos é o que o autor disse. Alguém disse: "Eu só sou responsável pelo que eu falo, não pelo que você entende." Infelizmente, é assim que deve ser, pois sempre estaremos vulneráveis às mas interpretações.

O eu poético pode estar em consonância com o que pensa o autor, bem como pode, num exercício de alteridade, tentar exprimir pontos de vista contrários aos do autor ou dele mesmo.

Ao mencionar o Deus que queimou Sodoma apenas busco exprimir o senso comum dos que votam por motivação religiosa, embasados em escritos milenares, cuja visão se faz determinante na aceitação de tudo o mais.

O autor deste poema não crê que uma divindade matou homossexuais no passado e sim que seres homofóbicos em diversos momentos o fizeram em nome de algum deus. Esse mesmo espírito move eleitores de hoje no Brasil e no mundo. O deus que mandou derrubar árvores,  queimar cidades e pessoas está mais vivo que nunca na mente da humanidade. O Deus que, segundo Nietzsche, está morto, para estes parece muito vivo.

Este poema se inspirou na charge que a ilustra, do premiado chargista Rodrigo Brum. As imagens que utilizei direta ou indiretamente têm a ver com "fumaça". Ao citar ópio, naturalmente pensei na famosa frase de Karl Marx, mas não me limitei a isso. A produção de ópio também tem sido causa de desflorestamentos e guerras. A analogia fora feita antes dele, - Marx - não em sentido essencialmente pejorativo. Heine, por exemplo, escreveu em 1940:

“Bendita seja uma religião, que goteja sobre o amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança”.

Quatro anos depois, Marx diria:

"A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, assim como ela é o espírito de uma situação sem espiritualidade. Ela é o ópio do povo”. 

Não vejo nada de condenável na frase de Marx, a ponto de que alguns sintam a necessidade de abrir exceção para algum conjunto de dogmas em particular. Creio que ela seja aplicável a toda e qualquer religião, sem significar que esta seja digna de perseguição por causa disso ou que isto a torne prejudicial à sociedade. O ópio, que para muitos é simples alucinógeno, para outras é visto como uma fonte de cura, como acontece com a religião. O que me parece incontestável é que a manifestação de fé - qualquer uma - tenha esse efeito narcotizante  sobre a dura realidade e traga sentido à vida. A visão religiosa retrógrada, produtora e vítima de equívocos, trouxe danos irreparáveis à humanidade e ao planeta. É para os perigos do mau uso da fé que busco chamar a atenção.

Você buscou justificar o silêncio divino e ao fazê-lo não anulou o fato de que ele permanece calado diante de tantos absurdos feitos em seu nome. O fato é que o ser humano tem dado voz aos seres espirituais e nada mais  ouve além da própria voz dizendo-lhe o que gostaria de ouvir. O ser que faz epifania na fumaça do ópio tem dito coisas terríveis, indignas de nossa aceitação. É a isso que me refiro no poema.

Você entendeu bem a parte referente à Sarça Ardente. Usei o episódio bíblico como analogia, transpondo-a para nossa realidade. Seu entendimento da imagem do cão-miúdo não reflete o que pretendi transmitir. Cão-miúdo, em uma de suas várias acepções quer dizer "pobre de espírito, - um pobre diabo, por assim dizer. Trata-se de um diabo pequeno, "humano, demasiado humano", como diria Nietzsche. Não se trataria de um ser mítico, mas do próprio homem agindo em nome de seres doutra esfera.  Detalhe: por cão-miúdo eu não quis dizer Bolsonaro. Quis exprimir o que penso de madeireiros e agropecuaristas supostamente patriotas, mas de visão limitada, ególatra. A Bancada da Madeira, ao fazer coisas mesquinhas, poderia ser o cão-miúdo. Por incrível que possa parecer, caro Belchior, alguns religiosos extremistas veem o que ocorreu na Amazônia como ação direta de Deus, irado com a libertinagem que tanto incomoda os conservadores. Semelhantemente, quando choveu apagando alguns focos, houve quem gravasse vídeos dizendo que Deus mandara água e que desse modo mostrava de que lado estava. Em suma, eu ponho no homem a capacidade de fazer o Bem e o Mal, e não o contrário.

Por duas ou mais vezes você faz referência ao Espiritismo. Numa delas, o põe como exceção à analogia do ópio e no outro me recomenda O Livro dos Espíritos. Sendo espírita, você deve ser sabedor de que na última eleição importantes figuras do Espiritismo se posicionaram favoravelmente à onda conservadora que resultou no que ora vemos e experimentamos. Divaldo Franco, por exemplo, mostrou estar em sintonia com o pensamento conservador e pseudo moralista. Claro que não se tratou de algo oficializado, pois houve muitos embates no meio por causa disso. Muitos se decepcionaram grandemente com o ilustre kardecista e alguns até esfriaram na fé por causa disso. Portanto, imaginar que a leitura do Livro dos Espíritos nos livraria dos enganos comuns ao ópio da fé, não se sustenta com o que temos visto ao longo da história do Espiritismo. E isso acontece porque, à semelhança de meu poema, ele não será visto por todos do mesmo modo. Prova disso são as divisões do movimento espírita.

Você finaliza dizendo que levantar a bandeira dos ensinos de Jesus seria nossa única salvaguarda. Embora simpatizante e defensor das ideias do Cristo, não creio nisso e explicarei a razão. 

Provavelmente não há nenhum nome que tenha tão sido mal utilizado quanto o de Jesus, empregado nas esquinas onde falsos carentes mendigam, nos púlpitos onde se extorque as ovelhas e nos congressos onde se aprovam leis tenebrosas. Eduardo Cunha, por exemplo, comprou o domínio jesus.com. Sugiro que assista a minissérie de 4 capítulos “The Family, a democracia ameaçada” (Netflix). A série versa sobre um grupo poderosíssimo que atua nos bastidores da política americana, existente há quase 60 anos, responsável por decisões e acontecimentos históricos terríveis. O interessante é que o lema desta entidade e poder de atração está na palavra JESUS. A centralidade do que disse e fez o Cristo no norteamento de suas atividades é, à primeira vista, encantador. Não passa, porém, de mais um engodo. Desnecessário é lembrar que a citação de João 8:32 foi determinante para a vitória da extrema direita no Brasil.

Por causa disso, sou mais propenso a pensar como o teólogo italiano Enzo  Bianchi, que disse:

"Eu pertenço a uma geração [...] que nunca citaria o Evangelho no parlamento, por respeito ao Evangelho e o estado secular.".

Finalizo falando de minha alegria por meu poema ter sido objeto de sua acurada atenção. Espero que, mesmo com diferentes concepções de mundo, nossos pensamentos convirjam para o Bem Comum.

Abraços!

Santa Cruz, 27.08.2019