domingo, 13 de maio de 2018

PREFÁCIO DO LIVRO "Crônicas da Casa de Maria Gorda"



E eis que, hoje, me deparo com um áudio, via Whatsapp, do mestre Rosemilton Silva me intimando pra escrever “um bocado de linha” sobre o seu livro, Crônicas da Casa de Maria Gorda. Aí pensei, ‘Nossa Senhora!!! Quanta honra!!!  Quem sou eu pra escrever esse bocado de linha sobre as crônicas literárias de um mestre da palavra escrita?’.  Eu já o conhecia desde 1976, quando fui seu aluno de língua francesa, no Ginásio Comercial, mesmo sendo ele um professor interino, em substituição ao Mons. Raimundo Gomes Barbosa, que fora a uma excursão ao Chile e confiara seus pupilos a esse poliglota, mestre do jornalismo brasileiro. E tive a felicidade de reencontrá-lo, quatro décadas mais tarde, no Facebook, ele e aquela sábia irreverência intelectual. E sua crônica, publicada nessa rede social, à primeira vista, me deu um susto, semelhante, talvez, ao espanto que os leitores e, sobretudo, a crítica literária carioca e brasileira tiveram quando Machado de Assis publicou Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance que revolucionaria a técnica narrativa, ao criar um defunto-autor, personagem-narrador em 1ª pessoa e onisciente de seu universo. Li e reli essa e todas as outras crônicas que o Mestre Rosemilton publicou nas manhãs de sábado, no facebook, e me deliciei com a sustentável leveza de suas linhas, justamente por seu autor não ter a preocupação com a estética literária de seu texto, bem como de não se apegar aos arroubos ditatoriais da gramática normativa, nem de temer as imposições dos elementos narrativos, quando das diretas e indiretas de seus discursos, dos rótulos psicológicos de seus personagens, do ordenamento linear de seu tempo e de seu enredo. Enfim, me deparei com um escritor de boa consigo mesmo, desprovido de imposições acadêmicas e dos preconceitos vários, sociais, psicológicos, linguísticos  literários e etc. Li um Rosemilton cheio de onda, a construir, em cada crônica, um túnel entre os seus tempos, presente e pretérito, para fotografar Santa Cruz, seu povo e sua história, um túnel capaz de levá-lo a encontrar-se de novo com os seus conterrâneos-personagens nos templos de suas aventuras juvenis, encontrar-se com sua grande amiga, confidente, conselheira e guru, Maria Gorda, protagonista-coadjuvante de suas linhas e ‘Cumade’ de suas prosas, mulher inteligente, forte, educada, solidária, mansa, geradora de emprego e renda e empreendedora da mais famosa Casa das Noites, das Bebidas e das Comidas Típicas dos Famintos Jovens Iniciantes de Santa Cruz. Maria Gorda, diferentemente de Brás Cubas, não é defunta-personagem, apesar de falecida há mais de 30 anos, pelo contrário, é personagem-viva a confabular as acontecências sócio-político-econômicas do dia a dia de sua cidade com o seu ‘cumpade’, de quem tem a certeza do respeito e da admiração recíprocos. Nas Crônicas da Casa de Maria Gorda, Rosemilton está à vontade, sentado à direita de sua irretocável memória, e à esquerda de sua inesquecível ‘cumade’, a costurar, com a maestria de sua linguagem simples, matuta, mágica e poética, cada ponto do elo de seus tempos para neles transitar, pra lá e pra cá, pra cá e pra lá, como se único fosse, e fazer brotar, além-memória, o mormaço da Rua do Vapor, os esportistas da Frei Miguelinho, o arrepio do Beco das Almas, os bate-papos dos jovens sonhadores sentados às mesas redondas do Bar do Ponto, as quadras de areia da Praça Cel. Ezequiel Mergelino, o ruído do apito da usina de algodão, os bailes dos carnavais da Prefeitura e as fantasias coloridas do Trairy Club, o azul e encarnado do Pastoril, o encarnado, azul e branco do Boi de Rei do mestre Antônio da Ladeira, a Noite dos Agricultores na Festa de Santa Rita de Cássia, com o seu aguardado leilão na voz, que ainda hoje ecoa, de Mané da Viúva. É claro que as Crônicas da Casa de Maria Gorda não têm um guarda-roupas encantado, como aquele de As Crônicas de Nárnia, que transporta personagens e leitores para um mundo de criaturas fantásticas e batalhas épicas entre o bem e o mal, muito menos têm o sentimento negativo, irônico-satírico de Brás Cubas, no revolucionário romance de Machado de Assis, mas têm a Marinete, o ônibus  ou “a sopa” de Severino Colete a fazer a linha ida e volta Santa Cruz-Natal, a paciência fria  de Borrego, a ressaca de Pageta, os burros de Meireles a abastecer a cidade com as água do açude Santa Rita, têm a dicção perdida de Canindé Boca de Cascudo, o  canto triste de Fogão nas cantigas d’amor a entorpecer a sua solidão ébria, os Grêmios Estudantis, o Carrossel de Manoel Bernardino, o ronco do ‘Papá” João Lucas e o seu chapéu Panamá a ocupar mais um assento no Cine Santa Rita lotado, têm a Difusora Irapuru e a paixão das moças casadeiras por seus locutores Zé Maria, Zé Iválter e Luiz de Almeida,  têm a preocupação política de Jácio Fiúza, João Bianor e outros tantos políticos locais, têm os remédios santos de Dr. Ferreirinha e do Dr. Aproniano, têm a Farmácia centenária de Sebastião, o jipe amarelo de Cabo ‘Migué’, a valentia oral dos soldados Andorinha e Pacheco, o lambe-lambe de Mané da Viúva, o mestre Antônio da Ladeira, os cavalinhos, a roda gigante e as belas páginas musicais oferecidas aos namorados enamorados nas noites festivas do Parque São Luiz, têm o assobio agudo de Gravatá e os acordes belos dos violões de Fabiano & Franklin e Zé Domingos, têm a banda de música do mestre Oscar, o cuscuz e o “quer peixe, fresco?” de Juvenal Pé de Copa, têm o Coral de Santa Rita e a batuta de D. Nanita, o ecletismo de Padre Émerson e as belezas de Terezinha Bastos, Iara Lúcia e Newman Carvalho, têm Santa Cruz e a revolução mágica de sua história. As Crônicas da Casa de Maria Gorda têm um fazer literário incomum, em que os elementos de sua narrativa tomam o atalho do diferente, do novo e do atraente. As Crônicas da Casa de Maria Gorda têm, em todas as sua páginas,  Maria Gorda, sua Casa, suas  Crônicas e a criatividade irreverente do mestre José Rosemilton Silva.

(Nailson Costa)



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