NAS
VEREDAS DE TODOS NÓS
Vou dizer, no meu verso,
O dia em que me perdi de mim
pra ser poeta.
(Valdenides Cabral de
Araújo Dias, in: poemas inéditos)
Parodiando o poeta Manoel de Barros, venho aqui dar umas “despalavras”
sobre o novo livro do poeta santacruzense, Hélio Crisanto, Nas veredas de mim mesmo. Tendo lido os seus primeiros livros, Retrato Sertanejo (2008) e Prosa
de Cancela (2014), poderia dizer, num repente: a poesia deste poeta
cantador cheira a chão, a água, a sol, a terra. Cheira aos quatro elementos
primordiais da natureza, como bem pede a linguagem da grande poesia e como
também nos diz o crítico francês, Mikel Dufrenne, no seu livro, O poético (1969, p. 53) referindo-se à
relação do poeta e da linguagem poética
com a natureza:
Se o poeta trata a linguagem como
coisa natural, é talvez pressupondo uma natureza falante. É em todo caso
respeitando a função semântica da linguagem, elevando ao máximo seu potencial
expressivo; esse potencial será tanto mais elevado quanto mais a palavra for
restituída à sua natureza e reconduzida à sua origem.
Reconduzida
a sua origem, a palavra poética de Hélio Crisanto adentra o sertão potiguar buscando
nele motivos para o seu versejar. Em cada palavra utilizada pelo poeta a
musicalidade se instaura e, já não temos apenas
um poema, senão um canto-poema que prescinde da forma para existir,
tamanha a força da escolha lexical. O conjunto de versos que compõem este livro
traça uma cartografia do homem sertanejo em
toda a sua amplitude. Do sertão
sócio-histórico, geográfico e cultural que o circunda enquanto poeta e
sertanejo, diante das veredas de terra batida e sol escaldante, o poeta (en)canta
mais profundamente por tocar a essência de um ser, paradoxal, que vive entre o
campo e a cidade, que é rio a desembocar no mar, um matuto em trânsito entre a forma
e o conteúdo de sua poesia. No poema Biografia,
por exemplo, ele diz: “Trago em minha
verve as prosas matutas”.
Entre as décimas e as redondilhas o poeta
capta o cotiano do sertanejo com a mesma maestria dos livros anteriorese e, com
a maturidade poética que as “prosas matutas” lhe concederam, percorre, também,
as veredas poéticas das palavras sem amarras de rimas e métrica; desconstrói o corpo poemático formal para
adentrar na espessura dos sentidos e transportar o leitor para um universo onde
o real se mistura à fantasia, deslocando a palavra do seu lugar comum, ou
despalavrando a palavra que agora vagueia pelos labirintos da dor humana que se alarga para além do sertão. Ele
entende, como Manuel de Barros, que
O sentido normal das palavras não faz
bem ao poema. Há que se dar um gosto incasto aos termos. Haver com eles um
relacionamento voluptuoso. Talvez corrompê-los até a quimera. Escurecer as
relações entre os termos em vez de aclará-los. Não existir mais reis nem
regências. Uma certa luxúria com a liberdade convém. (BARROS, O guardador de
águas, p. 65 e 63)
E é de dentro dessa liberdade formal
que ele vagueia a sua mente, clandestino
de seu próprio fazer poético, querendo apenas o amor da sua musa, a poesia. Diante
dela, e não de sua forma, ele se curva e se preenche em corpo e alma, como
podemos perceber no poema Resgate:
Vem poesia,
Penetra sorrateira em meus poros.
Arrebata-me.
Embala-me com teus acordes
Enquanto tenso, vou tecendo o fio das horas.
Escorrega na minha garganta suavemente
Para que eu possa te degustar.
Vem poesia,
Masturba o meu ego
E resgata o meu ser
Pois és meu verdadeiro orgasmo.
Aos leitores, eis as veredas
de um poeta que não precisa de diploma
de poeta para sê-lo, posto que já nasceu poeta. E não se enganem: as veredas
aqui não significam caminhos secundários. Em poesia, nada é secundário. As
veredas são, portanto, os caminhos para se chegar a uma poesia que nem é
popular, nem erudita. É, simplesmente, poesia. E agora são nossas.
Currais Novos, 14 de abril de 2016
Valdenides
possui
graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1986),
mestrado em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (1999)
e doutorado em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco
(2007). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria da Literatura
e Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: poesia,
narrativa, erotismo, regionalismos literários. Publicou em 1999 o livro de
Poesias, Pulsações, pela Annablume (SP), em 2009, Poesia Menor, pela Editora
Scorteci (SP) e O Corpo Erótico na Poética de Gilberto Mendonça Teles, pela
Edições Galo Branco (RJ) e, em 2011, Pontos de Passagem, pela Scortecci (SP).
Em 2013 publicou O Retórico Silêncio, pela Editora da UFRN (EDUFRN), ensaio
sobre a poesia de Gilberto Mendonça Teles, fruto do estágio Pós-Doutoral, na
UFPE/PGLETRAS. É membro da União Brasileira de Escritores/RN.
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