A origem
da cantoria dos repentistas é objeto de muita discussão; mas de forma global é
reconhecidamente positiva a ideia que o período de seu surgimento tenha sido a
idade média. Outro ponto de concordância também é que ela teve suas raízes no
território francês, mas sua forma popular tenha sido formatada na península
ibérica. O folclorista e etnólogo potiguar Luís da Câmara Cascudo admite até
que esta forma de desafio poético seja bem mais antiga, tendo raízes
aprofundadas na Grécia do período clássico: Que é o cantador? É o descendente
do Aedo da Grécia, do rapsodo
ambulante dos Helenos, do Glee-man
anglo-saxão, [...] das runoias da
Finlândia, dos Bardos armoricanos, dos escaldos da Escandinávia, dos
menestréis, trovadores, mestres- cantadores da Idade Média. Canta ele, como há
séculos a história da região [...]. É a epea grega, o barditus germano, a gesta franca, a estória
portuguesa (CASCUDO, 2005, p. 129).79
Analisando o discurso de Cascudo a partir
de um olhar critico latente entre os historiadores, e por termos conhecimento
tanto da época a qual o autor escreveu quanto do universo literário e político
que o mesmo estava inserido, podemos entender que há uma negação clara de um
elemento construtivo crucial na formação do povo e da cultura nordestina: O
negro africano. Cascudo remete um pensamento semelhante ao do sociólogo
Gilberto Freyre que hoje é entendido claramente como outro personagem atuante
(de certa forma) na tentativa de omitir a interferência Negra na cultura do
Nordeste quando cria o mito da famigerada e falsa democracia racial da colônia
que tenta transmitir a ideia da justificativa da escravidão, onde defende que o
escravo vivia satisfeito e sua condição era justa por ser “raça inferior”. Esta
compreensão ainda prega a harmonia das relações escravocratas que defende o
consenso entre as raças, ou seja, o branco escravizava por ser raça dominante e
o negro aceitava por ter nascido raça inferior -- e vale aqui salientar que
raça já é um conceito desgastado, antropologicamente concebemos esse termo como
etnia. Sendo assim o discurso de Cascudo é preconceituoso na origem, tentando
admitir a não interferência dos africanos na construção da cultura dos
cantadores de viola do Brasil, algo que hoje pode ser verificado como mais um
de seus equívocos. Temos que admitir que o folclorista é reconhecido como o
maior conhecedor das culturas populares do Brasil, pois atuou de forma intensa
durante muitos anos tanto nas bibliotecas como nas investigações de campo,
entretanto devemos separar o que é conhecimento erudito e discurso tendencioso.
A tendência atua no estabelecimento de um tipo de “ponte ideológica” que conduz
cantoria aos traços de uma origem unicamente europeia, através de um discurso
que a forja a manifestação popular como sendo exclusivamente uma continuidade
de tradições medievais, e se relaciona interdiscursivamente com
as noções de raça que povoavam o imaginário dos intelectuais- cientistas
brasileiros, entre os séculos XIX e XX, algo que é inadmissível na atualidade.
Precisamos salientar que na década de 30, época em que o folclorista construiu
a obra Vaqueiros e Cantadores, foi o período no qual a nova configuração
política pós-revolução demandava um intenso debate em torno da história
nacional, da situação de vida das zonas rurais e urbanas, dos lugares
litorâneos, úmidos, secos, íngremes, florestais etc; a fim de estabelecer uma identidade
para a nação que estava sendo (re)construída. Período em que o movimento
modernista liderado por Mário de Andrade passava por uma transformação, na
qual, questão estética perdera sentido e os discursos ideológicos predominaram
nos centros intelectuais, pressionados ainda pela problemática política de uma
ditadura civil. Nesses anos, alguns membros do próprio movimento haviam se
alinhado ao programa nacionalista do governo de Getúlio Vargas, e chegaram a
trabalhar para o Estado na comitiva que alimentava esta intenção. CASCUDO, Luis da
Câmara. Vaqueiros e cantadores. São Paulo: Global, 2005.
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