MENTE SATURADA
Andou perambulando atrás de uma ideia para expor. A cabeça latejava, enquanto sua esposa procurava uma cartela para colar os selos que lhe dariam direito a uma faca do chef.
— Já encontrou a cartela? — perguntou-lhe.
— Se eu não encontrar, é porque alguém roubou — disse, com uma gargalhada de brincadeira em sua direção.
— É nisso que dá não ter ideia — murmurou ele.
Pelas redondezas, uma música teimava em fazer parte do seu cotidiano, juntamente com um grupo de cinco pagodeiros vestidos de preto, ao lado da chuva fina de que ninguém queria saber.
O dia amanheceu, o bar silenciou, e a chuva precisou engrossar para que se prestasse atenção nela. Não foi fácil pegar o caminho de volta sem que os instrumentos musicais ficassem encharcados.
Daqui a pouco, reiniciará mais um esquento no bombo, pensou o batuqueiro, que nem se deu conta do porquê de gostar tanto de expressar a musicalidade herdada da senzala.
A mulher saiu dizendo que ia para a academia. Ele preferiu ficar disputando um jogo virtual com parceiros também virtuais. Hoje, só percebe que é real por causa das dores no joelho.
A chuva passou. O sol quis ser registrado. Atendido o pedido, ele olhou para um molho de coentro. Só lhe restava filosofar em cima do coentro.
— Coentro sente dor?
— Por que não é vermelho como caqui?
Preciso apagar isso, pensou, pois estaria produzindo provas a favor da sua internação no hospital psiquiátrico.
Apagada a filosofia sobre o coentro, saiu da cama, alertado pela volta dela abrindo a porta.
— Estou com setenta e um quilos — disse, ao chegar suada, depois de puxar ferro por uma hora e pouco.
— Não percebo que emagreci, do jeito que não percebia quando estava gorda — conversava no caminho do banho.
Enquanto esperava o desjejum, veio-lhe o pensamento sobre tampas.
— Aluguei o sítio, e o locatário está produzindo, além de queijo, manteiga — disse seu primo, pedindo-lhe que comprasse qui
nhentas tampas para as garrafas de manteiga.
Vasculhou o comércio do bairro — e nada.
— Onde você vai encontrar é por trás da funerária — confessou a feirante, que ainda lhe deu dois saputis para degustação.
Foi. Um homem com aproximadamente duzentos e cinquenta anos o atendeu. Para poder entrar na loja especializada, passou por um interfone, uma porta de vidro com grades e, depois, mais outra porta. Nunca imaginou que tampas de plástico exigissem tanta segurança.
O homem alto lhe mostrou os modelos, as cores etc.
Saiu satisfeito para outras compras. No dia seguinte, voltou lá para trocar as tampas.
— Não — disse o comerciante. — Aqui não trocamos, só vendemos.
Acionou o Procon, mas os fiscais não encontraram a loja.
— O que existe naquele endereço — disseram-lhe — é uma casa em ruínas.
Procurou as tampas para provar a compra, porém não as encontrou.
Ligou para o primo, contando o ocorrido. Ele disse que nunca precisou de tampas e que também não havia ligado pedindo que ele fizesse tal compra.
Desligou o telefone e foi internado no hospício. Passou alguns dias, e lá reinava a cultura da fuga.
— Amanhã, logo cedo, vamos todos pular o muro — disse-lhe o comandante da revolução dos doidos.
Aguardou a hora com muita ansiedade, já que não suportava aquele ambiente.
Conseguir fugir era o mesmo que vencer uma olimpíada. Quem pulasse o muro era endeusado, mesmo que depois fosse encontrado vagando pela rua.
Na hora marcada, foram sorrateiramente. Chegando ao local mais baixo, perceberam que a chuva havia derrubado aquilo que os separava do mundo dos sadios.
— Vamos fugir! — gritou para o comandante.
Ele simplesmente disse:
— Não.
— Por que não? — perguntou, já com os pés do lado de fora.
— Não tem graça fugir sem pular o muro.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 01.10.2025 - 17h50min.