PARA TODO LUCRO, HÁ UM LUTO
Um urso. Mais abaixo, uma cabra com seu filhote,
contando apenas com a gravidade como aliada naquele ambiente de pedregulhos
escorregadios. A fome bota abaixo qualquer capacidade de empatia, e o urso
analisa a melhor estratégia para o ataque.
Para o homem que registra aquele momento, o verde
da vegetação e o vento no rosto deixam-lhe tranquilo. Para quem assiste ao
vídeo, há um ar-condicionado ligado, uma cama confortável e muito desprezo
quanto ao resultado final.
O besouro, que está perto do urso, diz para si
mesmo: "Eu não tenho nenhuma responsabilidade quanto a isso. Se ele errar,
morre da queda e eu, olhem eu aqui, nunca tive medo de altura". Ninguém
quer saber do besouro, mas toda vez que ele pode, tenta roubar a cena.
O borrego, encostado na mãe, espera que ela o
guie para a salvação. A carne do filhote e a pele macias são petisco para um
urso enorme, e o borrego está aprendendo que aquele bicho pardo, a poucos
metros acima deles, é um inimigo mortal. Treme de medo, analisando qual seria a
sensação de ser devorado sem anestesia.
A mãe lhe oferece: "Quer um pouco de picado
no almoço?", pergunta a do garoto que está assistindo ao vídeo. "Não,
odeio picado! Se fosse hambúrguer, eu queria", responde o menino com uma
cirurgia para acontecer assim que as veias do coração entupirem de tanta massa
ingerida.
Voltemos para o urso. "Deixem-me em
paz", resmunga ele descendo de costas. "Estou querendo saciar minha
fome, e vocês me fazendo de vilão", reclama o urso ao mesmo tempo que o
besouro pede para ser o personagem central desta trama.
Suas garras foram aperfeiçoadas para rasgar
carne... "Quais garras? As do urso ou do besouro?" "As
minhas", grita o urso vendo que, se não fizer nada, o foco vai para o
besouro. "Anda logo, urso de uma figa!" "Calma aí, pessoal, aqui
onde estou não tem rede de proteção. Se a mãe do menino me desse o picado, eu
desistiria dessa caçada." "Vá trabalhar, seu urso preguiçoso."
"É isso que estou tentando fazer", responde o urso com raiva por ter
sido chamado de preguiçoso. "Meu marido acorda às cinco da manhã, pega um
busão e só volta às dez da noite, e você quer que eu lhe dê picado de
graça?" "E se eu escorregar nesse penhasco?" "Azar o seu e
sorte para as presas."
A cabra bate com a pata dianteira no chão,
desafiando o carnívoro para descer um pouco mais. Ela sabe que as garras do
urso não foram feitas para escaladas arriscadas como aquela, por isso aposta em
um escorregão pelo penhasco. Mesmo desafiando-o, ela está receosa de sofrer
mordidas de 540 kgf, quatro vezes mais potente do que a do cinegrafista que ali
está. "Use a minha mordida como referência", grita o besouro que, a
pedido dos leitores, é comido pelo urso.
Lá embaixo, há um lago cheio de crocodilos. Caso
caia, irá fazer uma visita forçada aos estômagos dos jacarés. Por falar nisso,
o estômago do urso ronca, pedindo pressa. Ele atende ao comando e se arrisca.
"Risque o urso da lista dos vivos",
ordena São Pedro ao anjo Gabriel, responsável por dar baixa em ursos devorados
por crocodilos.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 14.08.2024 - 06h18min.
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