O instante
Na sutileza do instante, tudo se faz e desfaz. O instante que não é presente, nem futuro, nem agora, porque o agora já não é mais. Para o poeta, como escreveu Cecília, o instante existe, e ele canta e a sua alma está completa, ele não é alegre, nem é triste! Teria o poeta sorvido o sorriso da Mona Lisa? Nem alegre nem triste, definiria a sutileza do instante, ou seja, a incapacidade humana de sua detecção, ou é apenas uma simbiose entre a alegria e a tristeza? Escorregadio, discreto, imperceptível, abstrato… estariam tais substratos alimentando a condição dual do instante? Como um substantivo de dois gêneros, transita - veloz como um cometa - confundindo mentes, sentimentos, solidificando a incompreensão e seus reversos.
Os instantes, por sua volatilidade, seriam os responsáveis pela imaterialidade dos sonhos? Eles, os sonhos, são legítimos usufruidores dos instantes, dados aos seus devaneios e dispersões, imagens refletidas como num espelho d’água, lances de flashback, feito nuvens que se movem sem estabelecer conexões. O instante é o rasgo do tecido, o exalar do perfume, mas, também, o ato da germinação da flor. Um mesmo ato poderá ter múltiplos instantes, infindáveis consequências, sublimes e infames sentimentos. Como configurar o instante? Seria um piscar de olhos, o lançar da flecha do cupido, o beijo roubado, a fisgada do peixe, a saciedade da palavra dita?
É no processo que o instante se faz. Bem na ocasião do atar e desatar o nó da questão. No jogo das indefinições, das verdades momentâneas, a vida segue seu curso, ora represada, ora fluída. Nos processos/ciclos da vida, onde inicia a sua história? O instante alimentado é matéria do imaterial, do abstrato e também do real, do concreto. Seria o instante a manifestação do espírito, do pensamento, da possibilidade, da razão, da emoção, do contraponto entre os opostos?
Deus ordenou que tudo se fizesse e tudo se fez. Desconsiderando-se o ato da coordenação do pensamento, processo e, levando-se em consideração apenas o que se fez, com um estalar de dedos, esse ato, seria o instante? Na magia da tramitação dos instantes somos levados a definir passagens importantes como, por exemplo: vida e morte. De repente tudo o que foi já não é mais. Os instantes são divinos, instigantes e misteriosos! Nos entregam nuances que se movem entre luzes e sombras, revelam e ocultam sentimentos, emoções. São plurais, coletivos e singulares, particulares. Aguce a sua percepção, a sua consciência, tome posse dos seus!
Os instantes definem as manhãs, o Sol é equânime em matéria de acessibilidade! Nesse caso, especificamente, os instantes, mesmo iguais (acontecimento), são diferentes (tempo). Aquietando a Filosofia, as almas e corpos seguem aquecidos, reluzentes e, como numa roda gigante, uma mesma visão contempla múltiplas belezas! “Um galo não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.” (João Cabral de Melo Neto). O canto dos galos, mesmo formando uma teia, se dá em instantes diferentes, dado que não compromete a performance da bela sinfonia.
Os instantes navegam no âmbito do imprevisível de mãos dadas com os processos, esses, com possíveis previsibilidades. “Mais que um instante, quero o seu fluxo.” A água que evapora é a mesma que se liquefaz. A água em seu estado líquido goza do status de ser água, desfruta do seu tempo, reina absoluta, mesmo sem controle dos processos e dos instantes.
Em que tempo somos nós mesmos, no refúgio
pessoal, nas relações sociais ou noutra dimensão? Como nos apropriamos do nosso
tempo se não somos capazes de captar os instantes? Apenas uma deixa: quiçá,
estabelecendo uma relação madura e fraterna com os processos! Afinal, pensando
bem, como ter controle do tempo, se tudo obedece a um movimento cíclico, que se
dá em maior e menor dimensão, independente dos quereres? Eis a dinâmica da
vida! “Estou nesse instante num vazio branco esperando o próximo instante.
Contar o tempo é apenas hipótese de trabalho. Mas o que existe é perceptível e
isto obriga a contar o tempo imutável e permanente. Nunca começou e nunca vai
acabar. Nunca.” (Clarice Lispector).
Maria Goretti Borges
Veja outros textos da autora:
https://apoesc.blogspot.com/search?q=Goretti+Borges
Trata-se de um texto profundamente reflexivo e poético que explora a natureza efêmera e misteriosa do “instante”. A inclusão de referências literárias e filosóficas enriquece ainda mais o texto. Em suma, estimula a reflexão e apreciação do efêmero e do eterno na experiência humana. Parabéns pelo excelente trabalho! - Gilberto Cardoso dos Santos
ResponderExcluirMuito obrigada meu querido amigo! Suas palavras são bálsamo para essa catadora de palavras.
ExcluirParabéns Goretti pela bela analogia ao “instante” palavra tão abstrata que nos remete a rapidez que a humanidade está constantemente, buscando avançar e ser mais rápida e eficiente em todas as áreas de sua vida, sejam elas pessoais, profissionais ou sociais. Outra interpretação do seu belo texto, pode ser vista como uma metáfora para a constante corrida humana em busca de um objetivo ou propósito, mesmo que essa busca nunca chegue a um fim real. Como sempre me deleito nos seus textos, pois traz sempre uma reflexão intrínseca de nós mesmos.👏👏👏👏👏
ResponderExcluirMuito obrigada, fico muito feliz que tenha gostado! Um abraço 🫂
ExcluirParabéns amiga Gorete! Vc merece todo elogio e reconhecimento de seu profundo saber. Me orgulha muito fazer parte do seu rol de amizade .
ResponderExcluirMuito obrigada!
ResponderExcluirE como sempre e num instante me deparo com mais um belo e exemplar escrito da Professora Goretti Borges e, como sempre, um primor de escrito. Dar gosto de ler. A quantas reflexões este texto nos leva. Parabéns!!! Continuo na fila da espera do livro. Sempre um prazer ler o que você tão primorosamente escreve.
ResponderExcluirFrancisca Joseni dos Santos
Muito obrigada, minha querida amiga! Você sempre muito carinhosa e gentil. Beijos
ExcluirMaravilhoso! "...onde inicia sua história?"Profundo, com o mesmo requinte característico de sempre. Um instante quanto dura? Onde está? Resume o tudo. O tudo cabe dentro de um instante. ❣️❣️❣️
ResponderExcluirVdd minha amiga é escritora Siomara! Cabe mesmo. Desejo-lhe felicidades, bjo.
ResponderExcluirSua habilidade em tecer palavras de forma tão envolvente e poética encanta. A maneira como você minha querida Goretti captura a essência das emoções é simplesmente arrebatadora. Sua escrita é rica em detalhes e profundidade, criando um universo que evoca uma sensação de imediatismo e efemeridade, como se estivéssemos prestes a testemunhar algo fugaz e ao mesmo tempo significativo. Parabéns.
ResponderExcluirMuito feliz com as suas palavras, quanta demonstração de carinho e afeto! Um grande abraço, Marliete! Bjo 😘
ResponderExcluirParabéns Goretti! Seu texto é realmente fascinante e profundo!Você consegue transformar a complexidade dos instantes.
ResponderExcluirMuito obrigada! Realmente, o instante é levíssimo e tb complexo!
ResponderExcluirUma reflexão muito potente, minha amiga. Instantes que são compostos de dualidades inteligíveis. Eu me prendo muito a pensar sobre essas sutilezas do tempo, dos desdobramentos que são envolvidos e avançam as vezes recuam... obrigado por compartilhar esse pensamento convertido em um texto tão bom de ler e refletir. Abraços
ResponderExcluirAh meu querido André, muito obrigada pelo carinho! Um abraço 🫂
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