quarta-feira, 15 de maio de 2024

NADA MAIS DO QUE ISSO

 


NADA MAIS DO QUE ISSO


Uma sala de espera. A mulher de vestido longo amarelo balança o pé da perna cruzada enquanto olha o jornal digital na palma da mão. O menino aparece e parece assustado com sua calça curta acompanhado pelo pai que vai tomar água, no lixo joga o copo. 


O chão está sendo limpo por um vassourão de cabelos grisalhos. Só se vê o passa-passa de gente indo e voltando das portas que se fecham em acesso restrito. Quem para à frente é uma de roupa vermelha toda molhada. Lá fora um guarda-chuva faz falta, principalmente para deixar os seus óculos de grau sem embaçar.


Anuncia-se nomes de xarás conhecidos. Um deles levanta-se trôpego com as calças caindo num arrastado de quem colocou o carro na vaga de especial. Ele some por trás da porta que se estilhaça fácil. 


A moça baixinha de saltos altos levanta-se levando a cor laranja no vestido amassado. Chega mais gente, e mais outro tanto vai embora.


Ele já está em casa. As lembranças bate no trânsito de volta aos buracos lavados pela chuva das inundações. Todos os dias é aquela rotina de chamar pessoas, entregar exames, limpar o chão, passar apressado... até quando meu Deus? Somos formigas agarradas pelas necessidades. Lá está ele no meio de tudo isso querendo ser diferente, mas, ai coitado!, não passa de um paciente sem-paciência. Os afazeres são muitos para manter o fluxo de pensamentos utilizados para lavar louça, escovar dentes, conversar o que pode ser dispensado. Ninguém pode parar, essa é a regra. 


Precisa direcionar algo para olho. É cinema, teatro, paisagens...uma turista joga uma casca de pitomba no chão. O mundo está condenado por aquela loira que usa róseo na bermuda. Seus óculos de sol direcionam o foco para os passantes incriminadores. A pobre casca abandonada irá ser varrida, Deus sabe quando. A chuva vem aí para levá-la embora assim como o crocodilo nadando nas águas barrentas entre gente comida para ele. 


A vida roda em cima de ideais num trânsito de dar medo. No meio da calçada, o pobre velhinho encontra no bolso o milho dos pombos que o rodeiam. Ele acha que está fazendo a coisa mais importante da vida ao relembrar quando ficava cortando palma para as vacas de leite. Somos todos pombos atrás de milho, feijão etc. Outros atrás de assuntos para registrar o que não leva a lugar algum. É o pacto impactante da palavra escrita. É bom jogar palavras fora que estão sendo arrumadas para isso. Não se condena por estar agindo assim, diz sua consciência que não mais pesa. O peso da consciência foi perdido, por isso ninguém mais perde o sono com ele bailando na insônia. Viva nós que temos a liberdade de passear por cantos e recantos do nada. 


A grande virtude reside na paciência de se aguentar, grita o embriagado que pediu ajuda ao álcool para suportar homens e mulheres se matando para dar de comer ao chefe. E assim vai construindo sua vala de palavras encaixotadas para trocar por alguns minutos do tempo alheio.


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 15.05.2024 - 17h20min.

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