UM PEQUENO DESVIO
Permanecia tentando estacionar o carro na vaga invadida por um cinza. Tem gente que é folgada mesmo. Na frente do prédio, garis limpavam os canteiros em uma turma de cinco homens de fardas verde. Ainda bem que arranjei esse emprego, pensou o mais velho que conseguira o trabalho após escutar bastantes “nãos.” Com muita calma, estacionou de ré. Se eu não fosse tão bom motorista, arranharia este que está fora da faixa. Enquanto isso, as árvores permaneciam trazendo meio de vida para os varredores de folhas secas.
Desligado o motor, ele desceu o vidro do lado do passageiro para dobrar o retrovisor com medo de que o outro batesse quando saísse. Na hora do intervalo, os trabalhadores sentaram-se à sombra de uma casa que tinha uma placa “vendo” e um portão de alumínio com arame farpado por cima. Se ele fosse mais gordo, não teria conseguido esgueirar-se entre o carro e a parede da caixa de fios elétricos. Dois garis passaram com as quentinhas compradas perto numa distância medida pelo tempo que haviam caminhado em sentido contrário.
Fechou o automóvel e dirigiu-se para uma das várias portas de vidro que havia no prédio comercial. Aqui é a clínica? Uma moça branquinha e outra morena conversavam na despedida de um atendimento. Não, aqui é a manicure, mas tem uma clínica ali naquela outra rua. A morena alta ficou assistindo o diálogo, porém só Deus sabe se ela censurou aquele homem por chegar interrompendo a conversa delas sem dizer nem com licença muito menos bom dia. Quando ele estava ligando o celular para se certificar do endereço, ela apontou para a placa ao lado: psicologia, psiquiatria... Ah, então é ali no vizinho. Aquela moça branquinha poderia ter pensado em colocá-lo para bestar quando indicou a clínica distante, martirizou-se o homem.
Na porta indicada, um rapaz ia entrando. Com licença, aqui é a clínica? Sim, pode entrar, respondeu a atendente de rosto largo e bem maquiado. O rapaz olhou se perguntando se aquele homem queria tomar sua vez no atendimento. Pensou que se assim fosse, sairiam no braço, mas na frente não. Deve ser paranoico, pensou o homem com mania de interpretar o que os outros estavam pensando.
Sentou-se na sala beco que tinha um único sofá com três almofadas saídas do mundo da Barbie. Seu horário é daqui a pouco, disse a descendente dos índios tupi-guarani, só podia ser. Quando ele sair, o senhor pode entrar ou venho lhe chamar, disse a índia relembrando quando seus antepassados fechavam a porta das ocas e se trancavam para fumar o cachimbo da paz.
O homem estava no sofá quando teve vontade de instalar umas câmeras para registrar quais pessoas precisavam de atendimento psiquiátrico. Ela está aberta, pensou ele olhando para a porta da saída. Se um marginal chegar, empurra e leva tudo que tenho. Estou ilhado entre a porta de vidro e a de madeira.
Bom, pensou ele, se for bandido afoito terá que quebrar a porta porque abrir ele não abre com o meu pé travando-a. Se eu gritar chamando a índia, com certeza ela não irá me ajudar muito. Acho que vou requisitar arco e flecha. Baixou o boné por cima dos olhos, sentou-se bem espalhado e ficou interpretando seu ídolo, o famoso John Wayne.
Depois do atendimento, o psiquiatra não teve dúvidas em atestar sua loucura.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 10.11.2023 – 18h31min.
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