SENTIMENTOS TAMBÉM SE ENGANAM
O Ódio e o Amor saíram pelo mundo afora numa disputa de quem era o mais importante. Alto lá, disse o Amor, eu não disputo com ninguém para não provocar mal-estar em quem perde. Não se preocupe comigo, respondeu o Ódio, pois a Tristeza é uma das minhas secretárias, e mesmo que eu não seja o vitorioso vou ficar de boa.
Continuaram a andar, e depois de um longo tempo o Ódio disse que estava cansado e que iria se montar nas costas do Amor. Sai pra lá, disse o Amor se afastando. O Ódio levou um susto e argumentou: que é isso colega!?, se você é o Amor verdadeiro, deve me tolerar em suas costas. Tudo bem, disse o Amor se corrigindo.
Mais adiante, o Amor disse que precisava descansar, foi quando o Ódio aproveitou para ganhar mais um ponto dizendo que se o Amor parasse para descansar, ele, o Ódio, iria cada vez mais tomar conta do mundo. É verdade, respondeu o Amor aceitando continuar sem descanso.
Lá na frente, encontraram um ser humano exaltando o Amor. Está vendo, senhor Ódio, ali está um dos meus adeptos. Muito bem, retrucou o Ódio, continue se vangloriando que logo você será demitido. Foi só uma pequena falta, anotou o juiz.
O Amor foi conversar com o homem: olá, eu sou o Amor que você tanto prega. Ah, que bom, finalmente o conheci, agora me diga o que posso fazer para manter você na minha mente, perguntou o humano fechando o livro. Você quer mesmo me levar para sempre com você? Sim, sim, estou muito satisfeito e já me sentindo outra pessoa. Diga, vamos diga qual deve ser minhas ações para que eu seja um iluminado. Ajude-me a levar o Ódio nas costas, pois já estou com dor nos ombros de tanto peso. Deus me livre de me meter com essa gentinha, e além do mais só tenho tempo para continuar fazendo propaganda do seu nome.
Os dois continuaram a caminhada, e o Ódio notando que o amor estava pensativo perguntou-lhe: irmão, está com raiva daquele pregador falso? Não somos irmãos, retrucou o Amor. Claro que somos, pois nascemos do mesmo ser e quem tem a mesma origem são irmãos. Tudo bem, mas não fiquei com raiva dele não, só um pouco triste, entretanto já o perdoei. Como eu vou saber que você o perdoou? Ora essa, não ouviu que o galo cantou três vezes? Ah, tá!
Quando chegaram numa encruzilhada, o Amor foi assaltado. Mãos ao alto, gritou o ladrão dando-lhe uma coronhada. Nessa hora, o Ódio pulou em cima do bandido e começaram uma luta que teve o Ódio como vencedor. O bandido, além de roubar quase todo o amor do Amor, ainda fez outras maldades. Quando o bandido foi embora, ouviu-se novamente o galo cantar por três vezes. É, realmente você é um forte concorrente, disse o Ódio não muito satisfeito com o perdão do Amor para quem havia furado seus olhos e cortado sua língua.
Nessa hora, o Amor fez uma avaliação e percebeu que o pedaço da língua que o ladrão havia cortado tinha sido justamente aquela que ele usava para falar de tragédias; percebeu também que o local do olho furado foi aquele que só observava os defeitos dos seus semelhantes, por isso ficou agradecido com o que aconteceu. O Ódio logo se deu conta que quanto mais se manifestava, mais proporcionava oportunidades para o Amor se fortificar.
Continuaram andando e no outro dia avistaram uma edificação grandiosa. Quando o Ódio percebeu que se tratava de uma luxuosa mansão, convidou a Inveja para também subir nas costas do Amor. Assim que adentraram ao recinto, o Ódio foi provocar um e outro utilizando a Inveja como sua parceira.
O Amor notou que todas as pessoas reclamavam de dor de cabeça, irritabilidade, agressividade, alteração do sono, dificuldade de concentração, tosse, indisposição gástrica... então ele decidiu acalmar aquela coletiva crise de abstinência usando seu poder transformador.
O juiz interferiu e perguntou: senhor Amor, o que o motivou a transformar areia em cocaína? Foi o lema que quase todos repetem: "faça o bem não olhe a quem." Protesto, gritou o Ódio. Se fosse eu que estimulasse alguém para ser feliz se vingando, todo mundo me condenaria, por isso é bom que se defina logo, com muita exatidão, o que é o amor, porque o ódio todo mundo já sabe.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 05.11.2023 - 04h34min.
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