POR DEMAIS IMPORTANTE
Não tinha motivos para se preocupar com a sirene, mesmo assim não pode evitar de perguntar que barulheira era aquela. Acho que é aqui em frente, respondeu a esposa mexendo no celular. Parece ser os bombeiros. É, parece.
O dia estava nublado, e o vento vindo do leste já havia mandado fechar tudo que tivesse tranca. Veja aí na janela o que é! Estou ocupada, olhe você!
O filme que o casal havia escolhido estava apenas começando, e o marido pausou o vídeo para analisar a primeira fotografia: da esquerda para a direita, um poço artesiano com três paus fincados nas bordas e interligados em forma de triângulo filmados em aclive e de bem longe, falava ele em sussuros observando cada detalhe demoradamente e inventando o que não era visualizado. A escada escorada seria ignorada se não fosse utilizada para limpar o barro que contribui para tampar os veios d'água. Num tempo recente de seca, os vizinhos foram convocados para cavar em sistema de mutirão, e hoje uma carruagem, puxada por dois cavalos, está parada motivada pela água em abundância. Mesmo que cometesse erros, usava essa técnica como exercício criativo.
Um bombeiro ficou anunciando que os moradores descessem pela escada, mas por estarem portas e janelas fechadas, passou batido o que estava sendo dito.
De longe, avista-se muita bagagem em cima da carruagem, e é ao lado dela que uma mulher está sentada. Olhando com um olhar demorado pode-se dizer que ela está fumando distante dos galhos secos. É por trás desses galhos que tem um homem em pé, parado, assim como os cavalos que não comem nem bebem.
Na verdade, esses estão com bridias e é por isso que não estão pastando. Isso mesmo, respondeu a mulher concordando com a análise óbvia do marido.
Eles não se davam conta, mas já havia um cordão de isolamento sendo vigiado na via dupla e muita gente de longe filmando as chamas que lambiam o andar de baixo.
Ele prosseguia liberando o vídeo aos poucos e comentado: veja, não era uma mulher fumando, mas sim um senhor com uma cartola e roupa de apresentador, costeletas emendando na barba e se alimentando da comida da maleta da qual não se desgruda um só instante. Isso conseguiu ficar claro quando a câmera mostrou a cena seguinte mais de perto.
Será que o carro dos bombeiros ainda se encontra aqui em frente? Sei lá. Deixa estar.
Ao longe, por trás de serrotes, um outro homem de óculos, abaixa-se colhendo frutas. Bem, se são frutas deve ser melancia da praia, pois a arvore que existe ali é uma com galhos secos, está vendo? Vejamos realmente o que ele colhia. Mais um clique e percebeu-se mais um engano. Nada de frutas, e sim ervas para fazer chá era o que colhia, e ele não era ele, trata-se de uma velha com um pano preto amarrado na cabeça. Que velha parecida com um homem, foi o comentário da esposa. Quem vai atender o interfone? Deixa tocar, pois eles têm nossos números e eu é que não vou me levantar.
Este corvo deve ter sido bem treinado para permanecer em cima desses galhos mesmo depois que essa idosa cuspiu nele. Para o pássaro não passou de um refresco, um carinho, ou de uma demonstração de amor, diferente dela que o diretor quis mostrar que era mais ruim do que o corvo quando optou em lhe filmar cuspindo nele.
E se for algo sério? Tipo o quê? Um incêndio! Ah, deixa de ser preocupado, vamos assistir. Continue.
Na carruagem viaja uma trupe de pessoas com poderes sobrenaturais, pelo menos é o que dizem. A velha cuspideira de corvo, faz o papel de uma bruxa e veja que se parece muito com o diretor. Ele deve ser filho dela.
Se for incêndio, será que chega aqui? Eu é que não vou seguir as recomendações de segurança para ter que dormir num hotel. Acendo a luz? De jeito nenhum, senão vão ver que tem gente em casa e adeus sossego.
Logo que eu desconfiei que esse rapaz era uma mulher. Viajava disfarçado de homem para fugir da acusação de charlatão.
O celular dele tocou. Eu atendo? Não, eu já disse. Me dê aqui.
O diretor usa barba e bigode num rosto liso e peruca preta numa careca rodeada de cabelos loiros, está vendo!? Claro!, não sou cega.
Eu já mandei você desligar o celular! É, mas nosso carro está na garagem. E se descobrirem que estamos aqui?
A pipoca já havia sido consumida e a panela embaixo da cama continuava esperando que um dos dois se levantasse para levá-la para a pia. Ele continuava a prestar atenção nas imagens sem autorização para pausar. Só quando o filme terminou, foi que acenaram para serem resgatados. Momento depois que saíram na cesta do helicóptero, o prédio todo veio abaixo. Na entrevista, disseram supersatisfeitos por não terem sido obrigados a interromper a sessão de cinema programada para o feriado.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 16.11.2023. - 08h46min.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”