terça-feira, 12 de setembro de 2023

QUE SUFOCO!

 


QUE SUFOCO!


Por trás de uns jarros de plantas, ele ficou escondido. Não dava para pular daquela altura acima do voo dos pássaros. Agora eu me ferrei! Já que a mulher tem uma pistola, o marido dever ter uma metralhadora. Lá embaixo, poucos veículos trafegavam, mas mesmo assim podiam abafar algum barulho que por acaso ele viesse a fazer. 

Começou a chover. Chegar em casa molhado não vai ser fácil de explicar. Lembrou-se de uma vez que precisou fazer o mesmo na casa da vizinha, só que naquele outro episódio foi sua esposa que bateu à porta. A imagem recente daquele corpo violão,  não lhe saía da cabeça. 

Nada de escutar o que o marido e ela estavam conversando. Este vento frio está me dando vontade de espirrar. Deve ter sido aquele suco. Dizem que romã com abacate é bom para levantar defunto, mas eu não sabia que fosse tanto. E se eu for descoberto? Ah, já sei. Vou dizer que vim fazer a vistoria do prédio. 

A esposa do locador estava ficando preocupada. O que terá acontecido? Será que voltou a me trair? Um dos netos insistia que ela continuasse a ler historinhas do livro. O menino tinha hábitos noturnos, e por mais que já tivessem feito de tudo, o tudo não tinha resolvido a escassez de sono no peralta. Vovó, conte novamente a história do homem sem cabeça. 

Era uma vez um homem sem cabeça. Por onde ele andava o pessoal ficava admirado como alguém tinha nascido com boca, orelhas nariz e olhos pregados no pescoço. Já tinha sido até contratado por um circo como atração principal, mas resolveu voltar para a sua terra e fazer piada dizendo que não precisava gastar dinheiro comprando pente e nem xampu. 

Quando ele saía de casa, colocava um chapéu por baixo de uma bola de isopor e colava no final do pescoço. Certa vez, o vento levou sua prótese de cabeça. Ele saiu correndo atrás acompanhado pelos cães, gatos e perus do terreiro. Vovó, da última vez que a senhora me contou, não tinha esses bichos correndo atrás. É porque na nova edição o autor acrescentou. Continuando... 

Quando as pessoas perguntaram onde estava sua cabeça, ele respondeu que os cabelos haviam comido e depois fugiram para o mar. Seu maior orgulho era que nunca a mãe dele iria dizer, como dizia com seus irmãos: fique quieto, senão eu arranco sua cabeça. Isso jamais ele ouviu.

Por força da anatomia estranhamente diferente, ele pensava com os pés. Quando precisava raciocinar, em vez de ficar de pescoço baixo, saía correndo para que o pensamento subisse para a boca e de lá pudesse ser gravado em áudio, pois nos pés não existia um local específico para guardar pensamentos.  Quando a avó olhou para o menino, ele já estava ressonando.  

Senhor, esse é meu marido. Ele soube que o senhor veio aqui para perdoar nossas dívidas e se escondeu aqui quando ele chegou para que não houvesse um mal entendido. Isso mesmo, meu amigo. Um casal tão jovem precisa de um apoio dos mais velhos para permanecerem unidos, por isso tem minha palavra que vocês podem morar o tempo que quiserem por aqui, gratuitamente. 

O homem foi embora sem desconfiar que aquele motoboy apenas tinha ido entregar o dinheiro do crime que ela havia cometido há poucas horas. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 12.09.2023 – 16h19min.



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