PASSEANDO POR AÍ
Acordou e logo perguntou se ela já estava vindo. Sim, estou passando aqui pertinho. Chego já. Ele pegou o pano de chão e passou também nas paredes, arrumou o sofá e quando ela chegou, ele ainda estava ajeitando os lençóis da cama. Que legal, disse ela apontando a bagagem para que ele arrumasse no interior do apartamento.
Trouxe carne de dinossauro que você tanto gosta. Muito bem! Nem tomei café ainda esperando por essa guloseima. Ela mexia ovos de titanossauro enquanto ele lia o que um amigo lhe emprestara de um autor com cara triangular.
Após o café, fizeram amor, guerra e amor novamente. A comida do passado tinha essa função estimulante a ponto de entrarem em transe despertando-os para a realidade cinco dias depois.
Totalmente restabelecidos, resolveram fazer compras no horário em que as luzes dos postes iluminavam as poucas pessoas que caminhavam sobre a estrada coberta de gelo. No fundo da escuridão, luzes vermelhas e brancas serviam de guia. Ao adentrarem no mercado, logo na entrada, deram de cara com um piano com teclas derretendo-se iguais ao relógio de Dali, fazendo-o perguntar o que significava tudo aquilo. Não há tempo para reflexão, disse ela. Você tem que se acostumar que estamos vivendo em mundos distante da nossa compreensão.
Do outro lado do rio, havia também pessoas com o mesmo sentimento de perdido. De lá enxergavam coisas que não se podia publicar, não que fossem proibidas, apenas porque não existiam termos que pudesse nomeá-las. O que era uma coisa agora, daqui a pouco deixava de existir transformando-se tão rapidamente que nem havia tempo para se criar um vocábulo que pudesse indicar o que era. Restava às pessoas viverem como se aquele momento fosse o último.
A exigência era de que permanecessem apenas como observadores para não enlouquecerem caso tentassem entender as imagens que iam surgindo. Uma árvore se transformava em mesa, depois em cadeiras, troncos que se afundavam para logo em seguida surgir como árvore novamente. Só permaneciam de um só jeito quando estavam sendo utilizadas. Era como se a própria natureza fosse se transformando até chegar ao objeto adequado para aquele momento. Se a pessoa estivesse com minério de ferro na mão e jogasse no chão, bastava pensar num martelo que o pensamento ficava materializado. O próprio martelo se transformava em serrote, alicate...
Saíram dali com o sol dando as caras. Não devo me preocupar se haverá alimentos disponíveis para as formigas, disse ela sabendo que tudo estava interligado de modo que cada ser permanecia sincronizado com os demais.
Um arco-íris se formou e logo se fez um zíper abrindo o céu em duas partes como se fosse uma braguilha do mundo. Lá dentro se podia ver trompas de falópio, útero com óvulos em formato de planetas que, por sua vez, também se desdobravam em mais outros, infinitamente.
Passaram na alfândega de órgãos para checar se alguns deles estava precisando ser trocado. Naquele mundo estranho as pessoas viviam eternamente, bastando, caso precisasse, trocar a pele, o cérebro etc.
Havia uma preocupação em aproveitar o conhecimento adquirido para tornar a sociedade mais perfeita. Tinha as fábricas de pessoas com o objetivo de repor o que fosse necessário. Ninguém entrava em desavença porque já sabia que seu espaço estava garantido tanto quanto sua subsistência. Os maus elementos permaneciam dopados como exército de reserva guardados e cuidados num tipo de almoxarifado.
Chegaram de volta em casa. Uma voz anunciava que ela estava precisando tomar água e ele ir ao banheiro. Caso não realizassem o que estava sendo determinado, havia uma luz que os paralisava para que os fiscais intergalácticos fossem providenciar doses de uma substância para adequá-los à obediência.
Quando o comitê decidia que alguém não deveria mais viver, todo o conhecimento armazenado nos neurônios daquela pessoa era transferido para uma central onde serviria para ser replicado em todas as outras. Essa decisão era tomada de acordo com os níveis de tristeza que eram medidos sem que a pessoa soubesse que estava sendo monitorada. Até os pensamentos eram acompanhados, e também outros eram colocados para serem processados em forma de mutirão. Quando pensava que não, lá vinha uma sugestão de pensamento para o bem do planeta. Todas as pessoas se concentravam em um só problema de forma que em fração de segundos estava tudo solucionado.
Todos estavam num só nível de conscientização por possuírem um cérebro recarregável e alimentado pelo conhecimento disponibilizado em cadeia e sem nenhuma restrição de cunho autoral ou privado. As pessoas viviam serenas, confiantes e conscientes de serem energia somatória.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 22. 06.2023 – 21h33min.
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