segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

É MELHOR APIMENTADA DO QUE INSOSSA - Heraldo Lins

 


É MELHOR APIMENTADA DO QUE INSOSSA


Falando em assalto, toda vez que vou abastecer naquele posto que calibro os pneus, tem um homem de cabelos brancos por lá. 


Gosto daquele lugar porque existe uma plataforma, daquelas que levanta o carro na troca de óleo, e aí eu coloco o meu veículo em cima e fica bom para calibrar. Pense num negócio chato é o cara ficar de cócoras calibrando pneus. Dá uma dor nas juntas que quando vou me levantar pareço mais com uma foice, de tão empenado que fico. 


Acho que ele é um segurança porque não tem cabimento eu sempre encontrá-lo zanzando sem fazer nada, toda "boquinha da noite". Deve ser um militar da reserva que fica fazendo um extra. Eles escolhem um aposentado e assim diminui os custos com pessoal. A cada hora fica mudando de lugar, só pode ser segurança mesmo. 


Dei uma pausa fazendo-me entender que tinha acabado. E aí? Continue!, falou a mulher enxugando as mãos no pano de prato! Por enquanto, é só isso mesmo, respondi-lhe virando para saber se já havia terminado de preparar o café. 

Quando você falou em assalto, eu criei uma expectativa, disse ela, que o homem era um espião e que havia repassado informações de ser um bom lugar para ser assaltado. Então eu lhe frustrei quanto ao desfecho? Sim, eu esperava que os bandidos tivessem rendido os bombeiros e levado todo o dinheiro do posto. 


De outra vez, nem me venha com histórias sem graça como essa. Eu gosto é dos programas de televisão tipo calada da noite que têm até sangue. Ai sim, vale a pena a gente ficar assistindo. Adoro vibrar com as desgraças alheias. Mas foi isso mesmo que aconteceu. Aconteceu o quê? Desgraças, é porque eu ainda não terminei. Mas você disse apenas a banalidade de calibrar pneu de carro, isso não dá audiência, meu velho. Houve várias mortes. E por que você amenizou as tragédias? Agora você vai ter que contar tim-tim por tim-tim. Vou até parar de fazer essa tapioca só para lhe escutar, disse a mulher vindo sentar-se perto de mim. 


Você é muito apressada. Conte, homem, e deixe de enrolação. Bem, é porque logo cedo assim não queria já começar com desgraças senão você vai me chamar de mosca da morte. Que nada! É bom para animar meu dia. Já fico elétrica só pensando nos sufocos. Conte! Conte! Deixe-me passar o remédio que hoje amanheceu coçando pra danado. Enquanto você vai passar essa banha "nas partes", é o tempo que termino de preparar o recheio, disse ela virando-se para o fogão. 


O homem não era só delator, era também parte do bando. Eita! era mesmo? Na hora que as duas motos chegaram, ele já foi atirando para cima. Todos que estávamos no posto deixamos os veículos pronto para serem “limpos”. 


Depois chegou mais um carro e os criminosos dirigiram-se para o escritório. Quantos eram? Uma faixa de cinquenta homens armados, até com facão vinham. 


A atendente tinha já fechado o cofre com o segredo, mas eles explodiram com dinamite. Foi nota de duzentos para todo canto. Eu até peguei uma, pois estava escondido debaixo do carro. 


Sabe aquela cobertura? Sei. A explosão foi tão violenta que arrancou tudo fora. Caiu do outro lado da avenida e matou logo dez, inclusive uma criança e uma mulher que ia parir. 


E a polícia? Chegou logo em seguida, entretanto foi recebida a tiros de fuzil. Um veículo havia estacionado minutos antes, e do porta-malas surgiu um atirador protegido por um anteparo de aço. "Foi tiro que nem pipoca no caco". Logo de cara, dois policiais tiveram as cabeças arrancadas pelas balas. De lá prá cá eu só vi foi um dos motoqueiros cair todo ensanguentado. 


A tapioca está queimando. Deixa queimar. É melhor tirar senão fica preta. Vou tirar, mas continue. Bote um salzinho. Já botei, homem, conte essa desgraça logo. Tinha muita fumaça? Demais. Era um fumaceiro que parecia uma caieira de queimar tijolo, e eu aproveitei a cortina para limpar as tripas. Borrou-se? Pois é! Estava com a barriga inchada daquelas batatas de ontem, e não deu outra: arriei o barro ali mesmo na calçada. Sujou as calças? Tudo, ademais um bandido pisou danando o quengo no chão. Menos um, o de farda gritou caindo em seguida com um tiro nos peitos.  

 

Um cão, que passava no momento, recebeu um balaço na perna e saiu gritando caim, caim, caim. Acho que a dor piorou quando uma bomba explodiu perto dele porque ouvi o cão mudar o grunhido de caim para abel abel abel. O negócio foi tão violento que até os passarinhos, que voavam por perto, caíram de susto. E você? Como escapou? Acordei mais suado do que tampa de chaleira.

  

Heraldo Lins Marinho Dantas  

Natal/RN, 19.02.2023 – 22h59min



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