“VAI DAR O QUE HOJE?”
Dona Batisca até quis adotar um menino, mas os tempos foram indo, as despesas aumentando, de modo que o assunto foi deixado de lado. Já dava muito trabalho aquelas duas e mais ainda quando a “providência” mandou um defeito na trompa para que ela aceitasse a missão de conviver com pouca gente na família.
Além do trabalho de casa, ela achou por bem colocar um cartaz na porta avisando que fazia jogo do bicho, um combinado com o marido que de início não achou boa ideia, todavia a realidade expressa na ponta do lápis o fez anuir.
Organizado o negócio em parceria com o chefe da banca central, iniciou-se as anotações de praxe. Todos os dias, batia gente querendo fazer uma "fezinha". O movimento não era lá dos melhores, porém para quem não tinha nenhuma renda, o pouco se tornava bastante e ela muito agradecia com sorrisos e orações.
Inicialmente com cinco apostas ela se dava por satisfeita. Aumentado o olho, havia dias que com cinquenta o movimento passara a ser fraco. Uma tarde, alguém ganhou na centena e o prejuízo não foi bem visto pela central. Depois desse desentendimento, Dona Batisca achou por bem tomar para si toda a responsabilidade das apostas.
A partir daí, as meninas puderam vestir algo mais digno. O marido pensou em deixar o emprego para se dedicar ao novo empreendimento e só tomou a decisão no mês seguinte. Agora toda a família dependia do bicho que foi crescendo a ponto de alugarem um quartinho na outra rua e passarem, estusiasmados, a vender mais esperança.
As meninas foram crescendo naquele ambiente cercado pelos vinte e cinco bichos e isso as influenciava a ponto de irem apostar na banca rival. Uma delas tinha o dom de acertar mais do que a outra, e era essa que passava o sonho para o pai ir longe fazer o jogo.
Foram amealhando riqueza e investiram num jardim zoológico contendo somente os animais do jogo do bicho. Em frente a cada jaula havia um cambista para receber as apostas naquele ali exposto. Quero jogar na galinha, disse uma menina apaixonada por galinha. Galinha não tem, respondeu o cambista. Que tal apostar no galo, sugeriu. Acho melhor num concriz. Concriz também não tem. Que tal pavão? Tem pavão? Sim. Pavão eu não gosto. Pode ser no curió.
Esse curió está mais parecido com gavião. Na verdade, é águia, mas é primo legítimo do curió, galinha, burro, camelo. Tem burro? Tem. Acho que não vou apostar no burro não! Eu queria um bicho bonito. Que tal o leão? Vou pensar.
Nesse pensar, a fila foi se formando. As pessoas que adoram fila foram logo perguntando para que era. Apostar no bicho. Passaram-se noite e dias e a menina pensando. Com o tempo, muitos foram dormir naquela fila, tentando achar uma brecha para fazer sua aposta.
A menina desistiu daquela jaula e foi para a outra. Chegou em frente à do peru. Aquele bicho de pescoço vermelho todo enrugado, não era nada agradável. Deve ser por isso que ninguém suporta passar um natal com o peru vivo, ela pensou. Foi para a seguinte e encontrou a do veado. O coitado estava ali desprezado e ela achou o veado até bonitinho, porém muito mais indeciso do que ela.
Com o tempo se esgotando, o pai da menina deixou a família para se juntar com a moça que "nas antigas" acertava no bicho. Uma das proprietárias expulsou sua enteada do zoológico para que a fila andasse.
Passados anos e mais anos, ela já moça também, decidiu que precisava voltar para o zoológico. Agora sim, teria uma decisão mais acertada. Naquele puxa-encolhe, ela amealhou seguidores no momento em que começou a falar com os animais.
Ela perguntava e os bichos respondiam sem nenhuma dificuldade. Ficou engraçado porque as perguntas giravam em torno das opiniões que os animais tinham em relação à humanidade. Você porco, qual o conselho que dá para aquele homem ali? É melhor ele deixar de trair a mulher, disse o porco. Pegue pau no porco. O traidor não queria que a verdade viesse a público e se vingou dando surras no suíno. Não fique zangado, disse o porco, pois sua mulher faz o mesmo.
O zoológico foi fechado e o jogo continua proibido, entretanto permanece rodando palpites por aí tanto quanto traições, só que ninguém deixa mais o porco falar.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 24.01.2023 – 07h15min
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