sábado, 14 de janeiro de 2023

"PAU QUE NASCE TORTO..." - Heraldo Lins



"PAU QUE NASCE TORTO..."


Dizer que não saio mais à noite, não é bem verdade. Dei uma pausa nas farras por alguns meses para não ter que olhar para as mesmas caras rodando a bolsinha com um copo na mão fingindo ser iniciantes. 


O que preciso, realmente, é de um novo repertório de mulheres que não cheguem com várias passagens registradas nos motéis naquele mesmo dia. Quando há música ao vivo, elas aparecem em turma de três, pedem uma cerveja e ficam teclando sem olhar de lado. Aos poucos, os bêbados se aproximam e sobra a conta larga para pagar enquanto elas fingem ir ao banheiro para escapar, sorrateiramente, dos lisos e embriagados inconvenientes. 


Estou no meio deles, e isso já foi motivo de orgulho, agora, nem tanto. Fugia do trabalho e corria para lá com todo o mapa das mesas e as reservas salvas no celular. Hoje, estou me escondendo no mesmo trabalho. Saio tarde e fico dizendo que estou superatarefado só para não ir com os amigos para a noitada. 


Apostávamos quem ficaria com a mais bonita, hoje a beleza foi substituída por maquiagem carregada e desespero na abordagem. Os tempos vão se indo e nós junto com eles. Atrás vêm os reis dos camarotes com fôlego no pulmão e no bolso, e nós, simples assalariados, que antes nos gabávamos de ter um emprego público, temos vergonha de dizer onde trabalhamos. 


As meninas estão querendo viagens de cruzeiro, camarotes com uísques pelo preço de um carro etc. Onde foi que errei? Meu objetivo era ter um harém emprestado todas as noites. Tento aprender uma nova profissão ou colocar o currículo noutro setor para melhorar o salário, porém meus cursos já não valem muito. A incapacidade de memorização impede-me de aprender novos termos estrangeiros para atender a “máquina demandante”. De repente, deparo-me com a informação que minha graduação foi banida da grade curricular da universidade onde cursei. 


Faço os mesmos gestos de sempre: peço o cardápio, acompanho a música batendo na mesa, olho de lado de forma rápida para não fixar o olhar nelas, e mesmo assim, de cima abaixo, faço toda a avaliação da peça. É, porque são tratadas como peças insubstituíveis para uma noite de "gala". 


Percebi que os meus amigos anda com a barba por fazer, pernas finas e barrigas estufadas. Antes eu me acompanhava com os caras da fina flor social para, de troco, ficar com as mais fraquinhas, as menos bonitas igual a mim. Aqueles que estufavam o peito diante das minas, atualmente só servem para espantar as que olham em nossa direção. 


Toda a minha personalidade é atingida por essa situação, pois armei a minha vida em agitos. Restaram as noites porque se beber, como antes, minha cirrose grita. 


Há dias, beijei uma mulher que cuspiu fora minha dentadura. Que vergonha. Naquele bar não apareci mais nunca. Os garçons não podem me ver que perguntam se refiz o sorriso. 


Cheguei à oficina para ajeitar o carro e fui reconhecido. Saí sem nem consertar o alarme. Acho que vou mudar de cidade, afinal depois que se cai na graça nem para o café se arranja, por mais que se dê gorjetas. 


Preciso de algum dinheiro para sanar as dívidas, mas a noite não me deixa em paz. Consumo muito além do que ganho e acho que vou vender a casa, carro e virar andarilho. Pego a aposentadoria, já com tempo sobrando, e vou em busca de uma andarilha, ou duas, ou três. Já tenho um plano: oferecerei comida e cachaça e logo arranjarei companhia, tenho quase certeza. O importante é não me conformar com uma vida fora do moído.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 14.01.2023  -  18h56min



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