sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

COMO É FÁCIL TRANSFORMAR O NADA EM TUDO - Heraldo Lins

 


COMO É FÁCIL TRANSFORMAR O NADA EM TUDO


Vontade de ficar calado é o que não falta, mas o ímpeto natural de comentar os cabelos esvoaçantes da deusa seminua, não me deixa quieto. Antigamente eu achava que quem corria estava perdendo tempo, hoje entendo que a pessoa corre para não perder o juízo.   

Ter que inventar histórias, cansa, entretanto não preciso me preocupar em ficar levando isso muito a sério. Minha criatividade viajou para bem longe sem data para o regresso, então só me resta treinar. A satisfação em dizer permanece, só que os conteúdos já não existem mais e isso afasta pessoas.  

Fui jantar ontem em busca de assuntos e nada de interessante aconteceu. Cheguei por lá e escutei, na mesa vizinha, um casal discutindo sobre o mercado financeiro. Parece que rico só se preocupa com dinheiro, viagens e profissão. Tenho vontade de me disfarçar de mesa para saber o que tanto conversam, e digo mais, acho que vou colocar um restaurante com escuta por baixo dos pratos, aí sim! terei muito o que pautar.  

Ontem vieram aqui em casa dizendo que se eu não entregasse um roteiro pronto, hoje mesmo estaria morto. Pode matar, disse-lhes, mas não é assim que a “banda toca.” Deram-me uma “gravata” e saíram dizendo que foi para que eu sentisse a força bruta atuando na criativa. Fiquei pensando que estaria morto nesse momento, porém eles não apareceram. Não posso dizer que foi um pesadelo, no entanto, por via das dúvidas, coloquei “tranca” na porta. Disseram-me que deixar o cérebro sem oxigenação por alguns segundos foi uma forma de fazer-me produzir algo substancial. 

Ainda há pouco, trouxeram-me macaxeira frita que serviu para que eu matasse a fome e a colocasse como protagonista. A chef chegou dizendo que tinha ficado muito mole, ruim até de pegar. Experimentei e senti que não havia sal. Se eu quisesse, ela traria um tal de sal “rosa do himalaia.” Espalhou por cima. Nesse momento estou comendo e enquanto mastigo vou anotando para ver se consigo preencher a página e evitar outra “gravata.” Está tão difícil encontrar uma pérola narrativa que até comer macaxeira dá assunto, inclusive escrevi macaxeira com “ch”. Ainda bem que a própria máquina corrigiu. 

Parei um pouco para dar outra garfada aproveitando enquanto está quente. Certos tipos de alimentos, só presta quente. Café nunca tomei gelado, entretanto há pessoas que gosta. Ela veio buscar o prato e percebo que aqui está parecendo mais um relatório alimentar de que um texto literário. Gostou? perguntou-me levando a sujeira embora. Claro, eu comeria uns dez quilos. Agora me lembrei de... traga o achocolatado que deixei aí na porta da geladeira. Você vai ficar sem fome para almoçar. Como outra hora. Esvaziei a caixa e a entreguei para o lixo. Pronto, agora voltei à estaca zero. 

Estou colocando música clássica para dormir. Pense num Diazepam. Fico dormindo várias horas ao som de violão clássico. Descobri que a música clássica perpassa todos os recantos da mente e assim produz sensações de relaxamento, diferentemente da música popular que permanece estimulando a libido. 

Passei tanto tempo escutando forró que... Lembrei-me de um vídeo que dizia que na Dinamarca os produtos são vendidos com uma taxa extra, e quando a pessoa devolve a embalagem recebe o dinheiro de volta. Há um código no produto dizendo quanto vale o troco a que se tem direito. Só para se ter uma ideia de quanto fiquei saturado de ouvir forró que preferi falar de reciclagem. 

E ontem? Bom, ontem passou e não devo falar que estive perto de pessoas interessantes. Elas já não existem mais aqui onde estou. Nem reviso o que escrevi para não ter que jogar fora. Esse desânimo que toma conta da gente, quando se está fazendo algo importante e de repente achar que não é mais, acredito que o nomearam de autossabotagem. Como não tenho certeza que é isso mesmo, prefiro deixar prevalecer a vontade de ficar calado.  


HERALDO LINS MARINHO DANTAS

NATAL/RN, 02.12.2022 — 14h41min



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