DATA NATALÍCIA - Heraldo Lins

 

DATA NATALÍCIA 

 

Neste dia, completamos dois anos de intensa participação aqui no blog. Examino os dados indicando 403 textos com temas variados e vejo o mundo mudando com a teimosia da COVID-19, morte de pais, derrotas e vitórias políticas. Os fatos vão se sucedendo e sinto que marcar aniversário traz um pouco de medo do fim. 

Ainda há pouco tentei entender o livro ÁGUA VIVA de Clarice Lispector. Toda vez que leio algo fácil, corro para Clarice tentando desanuviar significados e vejo que minha experiência precisa de auxílio para aceitar o estilo da escritora. Alguém disse que não se deve compreendê-la, apenas senti-la. Agora, parto para adentrar suas páginas parando em cada frase, refletindo nem que para isso eu passe três anos para percorrer as noventa e poucas páginas que ela demorou para se dar por satisfeita. 

Ao meu redor, há morte, tema tão recorrente no mundo literário, mas a verdade é que pessoas que eu conhecia estão indo embora. Dizem que morrer é bom, outros dizem que estar com o corpo sendo comido por bactérias não é legal. O medo maior é de perder o patrimônio das lembranças, pois há um ladrão de memórias que se chama idade, levando embora o que sempre trouxe. 

Estou insatisfeito, e por mais que faça tudo como manda o figurino da boa qualidade de vida, não há evolução quanto ao bem-estar. Parece que a cada manhã voltamos à estaca zero com o agravante que estamos mais velhos. Já tentei viver regredindo, forçando o pensamento para pensar que hoje é véspera de ontem. Se a gente pensasse que o nascimento é o final e a morte o início? Reverter a ordem poderia nos dar um pensar libertador, todavia, colocar em prática, é quase impossível. 

Enquanto não se concretiza essas fantasias, lembrei-me que estão prendendo motocicletas com o cano de escape aberto. Operação Sossego, esse é o tipo de abordagem que estão fazendo. Digo isso porque fico muito incomodado quando escuto o rasgado no punho do barulho. Coisa de velho, disse minha prima, e acrescentou que esse “negócio” de ir em direção ao andar encurvado não é dramático, o dramático é se tornar mais chato do que se é normalmente. O idoso começa a perceber, com mais clareza, tudo que acontece ao seu redor, e essa potencialização dos sentidos transforma sabedoria em chatice crônica. 

O horário de entregar minha fala está se aproximando e não consigo desenvolver um assunto que valha uma martelada. Não que esteja mudo, mas minha capacidade de perceber assuntos irrelevantes me tornou refém do baixo padrão. É difícil se aceitar caindo sem ter ideia de como fazer para conseguir mudar essa realidade. 

Preciso de um fio condutor com início meio e fim, mas ele não está à venda. Tenho que construir e aí é que está. Se eu contratasse alguém que fizesse jura do anonimato, tudo estaria resolvido, contudo não acredito que haja alguém tão sábio a ponto de se anular para que outro se saia bem e ele fique sendo um “Zé Nada” para sempre. 

“Quero possuir os átomos do tempo, quero captar o presente ou sua própria natureza” ouvi Clarice dizer. É dessa metafísica que preciso, mas, infelizmente, ninguém pode dar um passo maior do que as pernas, então, parabéns para quem me suportou durante esse tempo todo. 

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 16.11.2022 — 07:18