O GOSTO DOS DESEQUILIBRADOS
Quando alcançou a base do morro, Tonino olhou para cima com esperança que logo estaria junto com o amigo naquele domingo de bom almoço. A casa dele é aquela depois do pé de jambo, e basta tomar fôlego que chego já lá. Nunca mais haviam se encontrado e aquele era o momento de contar-lhe das viagens que fez a bordo do encouraçado em que trabalha. Muitas idas e vindas à Ucrânia tinha deixado marcas que precisavam ser atenuadas nesse reencontro de amigos de infância.
Chelemi não era lá muito simpática com os amigos do marido, mas fazer o quê? Não poderia deixar de reconhecer que Solaboro sempre fora um anfitrião de primeira linha e jamais deixaria que a mulher ofuscasse suas amizades. Aproximava-se da casa quando recebeu uma ligação que poderia ficar à vontade. Espantou-se. O que danado teria acontecido para ele precisar se ausentar?
Tocou a campainha e a mulher lhe recebeu com um sorriso diferente e um brilho nos olhos mais surpreendente ainda, fazendo-o espantar-se, pois ela nunca fora dada aqueles gestos de simpatia. Mesmo achando estranho aquela nova forma de ser recebido, adentrou. Ao subir o degrau que dava para a cozinha, tropeçou. Tenha calma que esse inchaço no joelho vai desmanchar, dizia ela passando a mão. Será que quebrou a rótula? A dor era intensa, mas logo foi aliviada com a pomada de tubarão.
Restabelecido da queda, Tonino tratou de organizar o churrasco. Ao lado, já havia uma grande panela fervendo que ele não quis perguntar o que tinha ali dentro.
Chelemi foi se deitar enquanto ele mexia na louça. Aberta e salgada a carne, ouviu, vindo do quarto, um chamado para até lá se dirigir. A mulher do amigo a suplicar por uma massagem na coluna. E agora? pensou ele. Achou estranho o pedido, mas mesmo ela sendo mulher do amigo, mãos à obra.
No quarto havia cortinas impedindo as janelas de apresentarem um sol costumeiro. Ao lado, uma cômoda com um boné em cima, denunciava que Solaboro saíra apressado esquecendo parte do seu traje de selva que gostava de usar. Todo o ambiente estava arrumado e limpo, com o banheiro contíguo tanto quanto. O ar condicionado deixava o local mais propício para além de uma massagem, interrompida com o barulho do carro estacionando em frente a casa.
Um pulo deixou Tonito em pé, ao lado da tábua de cortar carne, picotando a cebola sem nem mais se lembrar da dor no joelho.
O amigo Solaboro chegou animado com um saco de sal na mão, e, rapidamente, abriu a panela para temperar a carne ali cozinhando. Ao saber qual tipo de carne era, a informação fez Tonino correr daquele tão planejado encontro. A panela que estava no fogo foi apresentada como sendo a mais nova dieta dos psicopatas: índio cozido.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 09.10.2022 — 14:19
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