DE ONDE MENOS SE ESPERA
Moça inteligente e prendada, fez a vez de funcionária do lar em troca de casa e comida. Aqui vou conseguir ter meus sonhos realizados, melhor do que ficar naquele grotão sem perspectiva de vida, pensava ela.
Pela manhã, saía para a faculdade e quando voltava dirigia-se para seu quarto que ficava perto do pomar. Aproveitava a hora fria para limpar o local, regar as plantas, lavar a louça acumulada do café, do almoço, e ainda preparar o jantar, arrumar e varrer.
Depois das tarefas realizadas em “tom de caixa”, voltava para fazer os trabalhos escolares. Ufa! Ainda bem que minha tia está satisfeita comigo. Tenho que manter este ritmo com semblante sorridente. Sei que o aspecto conta muito, sem me esquecer de ser simpática e lhe obedecer sem questionar.
O ambiente doméstico foi se modificando com o capricho da moça. Tudo era feito no tempo e na hora, e quando a casa estava silenciosa, ela ficava no seu quarto dedicando-se ao estudo. Essa forma de escutar as videoaulas e ir anotando a primeira letra de cada palavra, deixava-lhe longe do sono. Enquanto lavava a louça, mantinha também os fones de ouvido para não perder seu precioso tempo.
A vida deslizava mais serena, após Helibela ter vindo para aquele lar ameaçado pela tensão da separação. Na sua presença, o casal evitava brigar para não despertar nela a curiosidade de saber como era o relacionamento do casal. Raramente via o esposo da tia, pois sempre estava no escritório traduzindo autores de várias nacionalidades. Quando a tia chegava do trabalho, encontrava-o jantando silencioso enquanto a sobrinha preparava o jantar delas e do casal de primos adolescentes. Na mesa, evitavam falar de trabalho, do relacionamento... para que a sobrinha não se tornasse íntima da casa. Os filhos adoravam o bolo de banana com canela que ela havia aprendido nos cursos de educação alimentar.
Quando recebiam visitas, a tia jamais dizia que ela era sua sobrinha, relatando para os amigos que conseguira aquela funcionária doméstica no interior do estado, e se alguém insistisse se era da família, dizia: adoção feita pela minha irmã. Nem queria esclarecer que era filha do seu irmão. Por não ter conhecido a mãe, ela teve que se adaptar na casa do pai, mesmo não podendo chamá-lo assim com tanta intimidade para que a esposa não desconfiasse da ligação consanguínea.
O primeiro semestre se passou na mais perfeita e calculada harmonia. As férias de quinze dias, fez o casal voltar a se digladiar: não me procura mais, né!?; você é quem fica ligada nesse celular e quando vou para a cama, já está roncando...
Helibela ficou sabendo, um dia antes de voltar, que os professores haviam entrado em greve e que as aulas só retornariam, no mínimo, dois meses depois. Não tem problema, enquanto não volto, disse ela, vou acompanhando os pacientes no hospital perto do sítio em que estou passando as férias.
Finalmente as aulas trouxeram-na para a rotina de antes. No regresso, Helibela apresentava uma pequena barriga de grávida, o que fez sua tia voltar a atenção para a gestante. Os cuidados foram intensificados. Uma criança naquele lar iria dar uma guinada na relação do casal, afinal, o foco mudava-se para a nova realidade. Era isso que sua tia queria: uma criança, mas como não havia mais condições de engravidar, voltou-se para aquela que estava sendo gerada.
O parto aconteceu normalmente sendo o menino aceito com todo o gosto na casa. Com o passar dos dias, o tradutor foi se afeiçoando à criança a ponto de ser interrogado pela mulher que desconfiava daquele apego, foi quando a sobrinha revelou que o filho era dele, fertilizado antes dela ter saído de férias.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 28.09.2022 ─ 10:26
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