sexta-feira, 19 de agosto de 2022

INACREDITÁVEL - Heraldo Lins










 INACREDITÁVEL


O poder da propaganda é incrível, principalmente, a enganosa. No meu entendimento só existe ela. O que me faz pensar assim é que nenhum produto ou pessoas são dignas de serem louvadas. Vejo muitas resenhas de livros, e quando me deparo com as obras percebo o quanto fui enganado. Cada dia me torno mais e mais cético, não que eu queira, mas porque sou levado, pelas dissimulações, a manter essa postura. São tantas opiniões sobre um determinado produto, inclusive sobre pessoas, que não há outro posicionamento a tomar a não ser descartar a crença no que ouço. 

Ninguém vende um produto dizendo que ele poderá se quebrar ou que tem defeitos. A tapeação já se tornou tão comum que a omissão passou a ser uma forma suave de burlar. A famosa história de que o defeito do cavalo cego está na vista, é o clássico nessa área.

Havia um cavalo que sabia que era cego, mas por não conseguir se expressar sobre sua cegueira estava condenado a mudar de dono constantemente. A saga do cavalo cego tornou-se um clássico do cinema e até hoje faz sucesso onde é exibido, pois quem o adquire tenta, após ser enganado, livrar-se dele usando o mesmo palavreado: o defeito está na vista, tá na vista, tá na vista.

O próprio tempo se encarrega de tornar a verdade uma grandiosa mentira. Se eu disser que onde moro está chovendo e alguém ler a mensagem cinco horas depois, pode me chamar de mentiroso.

Chovia torrencialmente para as bandas do sertão. O compadre resolveu telefonar para o outro, que morava na capital, e contar-lhe a novidade. Compadre, aqui está chovendo que é uma beleza, disse o compadre feliz com a chuva. O outro pegou o carro e partiu para o sítio visando um banho de bica onde tantas vezes tomavam quando criança. Ao lá chegar, a chuva já havia passado e por isso o compadre da cidade cortou relações com seu amigo de infância para o resto da vida adulta. 

Às vezes uma pessoa me pergunta se alguém que conheço está bem. Tenho que enganá-la dizendo que sim, mas, me digam, quem na verdade está bem? Seja jovem ou velho, cada um está, pelo menos, passando por um problema.

O amigo da família encontrou-se com a cunhada da prima. A cunhada, por não ter o que falar, perguntou-lhe pela mãe. Ele disse-lhe que havia deixado ela viva no último encontro ocorrido há dois dias, mas, para tirar as dúvidas, resolveu checar a informação. Ao telefonar descobriu que ela acabara de falecer. O filho órfão ficou com ódio daquela que fez a pergunta. Moral da história: nunca pergunte sem querer saber.

Vivemos num mundo do faz de conta onde a maior parte do tempo é gasto com omissões: o homem que tenta esconder a idade debaixo da tinta preta; a mulher, pelo bisturi; o outro, a vaidade por trás dos diplomas, dinheiro, até o mendigo precisa estar caracterizado para conseguir se passar por um.

Havia um homem muito rico morando em uma pequena cidade. Sua casa era a melhor da região, porém, uma vez por semana, geralmente dia de feira, ele se trajava de mendigo e se disfarçava de pai do homem rico. As pessoas ouviam suas histórias de quanto era ruim aquele filho que o mantinha em um quarto dos fundos. A população, acreditando no falso mendigo, passou a hostilizar o homem que antes o amavam. 

As aparências enganam, essa é uma das frases que define bem o que foi dito até aqui. Os sentimentos fogem um pouco dessa definição, porque uma das únicas coisas que se pode dizer que produz a verdade instantânea são os sentimentos, mesma assim, são instáveis.

Os dois jovens declaravam-se apaixonados, só que depois da erupção do monte Vesúvio, sendo eles os únicos sobreviventes, e, por não se suportarem vendo o rosto um do outro dilacerado pelas lavas, não tiveram como negar o sorriso falso de caveira.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 19.08.2022 — 10:52



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