terça-feira, 12 de julho de 2022

O VAIVÉM DIALÉTICO - Heraldo Lins

 




O VAIVÉM DIALÉTICO


A pressão do ar segurava o conteúdo quando ela lia prendendo a respiração. Não importava um ponto, uma vírgula, o que se fazia necessário era somente parar a leitura quando lhe faltava o fôlego. Essa técnica tinha a capacidade de evitar divagações. A preocupação em manter o ar seguro, ou mesmo soltando à medida que as palavras iam sendo pronunciadas, a fazia mais concentrada. Depois foi se aperfeiçoando e começou a parar em cada obstáculo da escrita, e a pontuação, acima menosprezada, passou a ser uma parada obrigatória para ser soprada. Depois de tomado o fôlego, a leitura prosseguia. 

Brincava com a habilidade de entender a escrita. Queria saber os significados e por isso recorria a outros diálogos para entender os próprios, sucessivamente, sem um fim com data prevista.

Abria-os... quanta letra! admirava-os. O papel era cheirado e a tinta lhe deixava em completo êxtase. De imediato, olhava para as figuras e numa segunda olhada concentrava-se nas letras grandes, nas sublinhadas, nos espaços entre palavras, para logo em seguida desprezá-las quando se sentia ameaçada por alguma conversa que não alcançava.

Depois de várias tentativas e continuar sendo derrotada por assuntos não compreendidos, rasgava os livros vingando-se contra as palavras enlinhadas em alguns, pedantes em outros, e para não deixar o verme da arrogância vivo, desmontava-os e fazia sua catarse na fogueira de São João. 

Esse medo de se sentir medíocre ao ler, fazia-lhe ir além das descrições e narrativas claras de serem observadas. Lá na frente, encontrava alguém falando para dentro sem que fosse aberto um canal para ser entendido. E isso gerava angústia continuada porque sempre havia esse tipo de gente construindo esses textos, e ela, para dar uma de difícil tanto quanto os outros, escrevia também para dentro. 

Com o passar do tempo, sem que fosse reescrito esse dizer, o publicado passava a ser um mistério jamais desvendado. Era como se fosse uma tumba lacrada para sempre. Pedia auxílio aos mais habilitados, mas não resolvia suas pendengas. Às vezes aceitava indicações de amigos ou desconhecidos que falavam de discursos bem elaborados, porém percebia que nem sempre os tidos como geniais não passavam de propaganda enganosa.  

As experimentações a levaram a identificar as falsas construções a ponto de classificá-las como sendo discursos técnicos, “enrolativos” e artísticos. Muitas vezes os autores, que já estavam bem situados nessa seara, faziam uso desse expediente para continuar convencendo os menos desavisados, e a conivência entre eles deixava o silêncio prevalecer. Quem quisesse que se manifestasse, e se ninguém dissesse nada, continuaria aprovado. 

Ela também fazia uso da enrolação e do silêncio para sobreviver nesse mundo entendido por poucos, e é por isso que ela, atualmente, encontra-se isolada, sem data para sair do Lockdow, até conseguir um ler um texto, totalmente, surpreendente.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 12.07.2022 - 07:09






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