PEGO DE SUPETÃO
Naquele dia, passeava pela sala resmungando. Tinha sido recomendado para ficar em repouso o maior tempo possível. Sentou-se no sofá e, olhando para o corredor, cantou uma modinha aprendida no tempo de menino. Cantava e fitava duas vassouras escoradas na área de serviço, porém, mudou o fito para a terceira vassoura na mão da sobrinha do vizinho. O esmorecimento de sono lhe batia nas pálpebras antes do almoço. Isso é que é vida, pensava olhando para a jovem metida num vestido curto. Mudava o olhar para o espelho que mostrava, através de uma borda amarronzada, uma idade madura. Ela prestava serviço a mando da esposa que havia saído.
Na cama fofa se abraçaram ainda no meio da faxina. Ainda se beijavam quando a porta se abriu. A esposa chegara. Puxou do bolso e fingiu contar: você tirou algum dinheiro da minha carteira? Não. A garota já havia saído para o quarto contíguo e permaneceu limpando-se no banheiro como se nada houvesse acontecido. A lembrança de há pouco permaneceu trazendo a garota em seu colo. Compreendeu a rapidez com que o tempo modifica os momentos. O filho e a filha vieram. Será preciso adoecer para que os filhos venham visitá-lo...? Era como receber a visita do locador no dia de pagar o aluguel. Infelizmente, o tempo não deixa imagens palpáveis. Restava-lhe esperar uma outra oportunidade.
Hesitou um pouco quando a esposa quis saber de Franquiana. Deve estar por aí. Não a vi. O filho interferiu perguntando-lhe como estava. Nada mais sinto, respondeu o pai, só vontade de ir para o trabalho. Ficar em casa é muito ruim, disse ele disfarçando o seu verdadeiro querer. Queria ficar sozinho com Franquiana. Estava totalmente curado e contente, porém, apresentava rosto contraído, desanimado. Não podia deixar pistas do há pouco vivenciado.
Quase não saía de casa mesmo podendo ir dar uma voltinha. Os dois se olhavam, ela baixava o olhar com uma nesga de sorriso no canto da boca. Ele saía da cozinha por trás da patroa, permanecia olhando-a sem que ela lhe voltasse o olhar. Ficava cada dia mais apaixonado. Ela sabia fazer-lhe ficar desassossegado. À noite, ficava abraçado com a mulher pensando em Franquiana. A mulher até comentara sobre a sua nova disposição depois da cura.
Era em seus braços, “noturnamente”, que Franquiana substituía a mulher. Ele demorava-se a pegar no sono pensando no que sua deusa estava fazendo. Ele ali, ao lado de alguém que poderia ser substituída, e ela longe, sem notícias. Fazia uma retrospectiva quantas vezes pode se aproximar dela, naquele dia. Seu tempo em casa era pouco. No período que Franquiana chegava até ele sair para o trabalho, decorriam poucos minutos.
Havia dias que ela atrasava, e ele tinha que pedir desculpas ao seu chefe por não conseguir chegar a tempo. O trânsito, dizia com o rosto dissimulado. Queria saber qual era a cor da roupa que ela trajava, o penteado, e enquanto ela não dissesse bom dia seu Hitômito ele não saía de casa. Voltava para almoçar, às pressas. Sentia ciúmes quando Franquiana, depois do almoço, se arrumava para ir à escola. Vestido plissado, cor de vinho, blusa de gola branca, trazia lembranças da sua filha quando cursava o ensino médio.
Ela passava sorrindo dizendo boa tarde seu Hitômito. Ele sempre estava na varanda para vê-la ir e só voltar no dia seguinte. Por que essa menina não vem morar aqui? indagava à mulher. É melhor não criar vínculo empregatício. Depois ela vai requerer ao juiz do trabalho por exploração de menor de idade. Nós pagamos pouco, e não sei por que não pede aumento..., azar dela.
Hitômito completava o salário de Franquiana sem que a esposa soubesse. Tudo que a mulher mesquinha propunha, a menina estava orientada para aceitar. O restante era-lhe entregue entre um amasso e outro. Coisa rápida, enquanto a mulher ia atender o leiteiro, comprar frutas, ou mesmo visitar sua comadre, mãe de Franquiana, distante dois quarteirões.
O método “disfarçante” entre eles estava se tornando mais aperfeiçoado. Nada melhor de que aprender com o “professor necessidade”. Tornaram-se doutores em mentir um para o outro. Quando ela queria dinheiro, perguntava se seu Hitômito queria fazer uma aposta. Ia passar em frente à casa lotérica e não custava nada fazer uma fezinha. Ele entendia a indireta da roupa exposta na vitrine. Pedia-lhe sugestão para os números do volante. Se a blusa custasse duzentos e quarenta, ela dizia: 20, 40... e assim por diante.
Mais tarde, já à noitinha, ela vinha deixar o comprovante para ele conferir seu busto decotado na nova aquisição. Com o passar do tempo, o busto de Franquiana tomou volume. Suas curvas arredondaram-se, o rosto inchado... Está ficando gorda! Gosto de mulher magra, cheinha, como eras. Trate de fazer dieta. Não posso. Por quê? Estou grávida.
Hitômico sabia que sua prevenção não deixaria tal fato acontecer. Não é possível! Sempre tomamos cuidado. Será que a camisinha furou-se? Não, disse ela. O filho que carrego no ventre é seu neto.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 04.06.2022 – 17:43
Muito boa, Heraldo! - Gilberto Cardoso
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