quarta-feira, 8 de junho de 2022

ESCOLHA OBRIGATÓRIA - Heraldo Lins

 


ESCOLHA OBRIGATÓRIA


Quando Calênio recebeu o número da sua ficha de inscrição, ficou apreensivo sem saber com qual se casaria. Estava precisando de uma noiva, e a única forma de conseguir era através do programa do governo. Tentou passar à frente dos demais para escolher a sua, mas a rigidez no sorteio não permitiu. Nem uma bola mais pesada se conseguia inserir no globo. Havia preenchido o formulário com altura, cor, peso e grau de escolaridade, mas isso era só burocracia. O que valia mesmo era o sorteio, e caso não quisesse o prêmio advindo do sorteio, teria que pagar uma fortuna pela desistência, coisa que ele não dispunha no momento. 

O coração bateu forte quando se deparou com todas enfileiradas no palco. Ao longe, conseguiu separar algumas pela beleza expressa naqueles minúsculos trajes. Essa era uma das formalidades requeridas pela comissão de noivas, e quem não se prontificasse a desfilar ficaria no caritó. 

Avaliações aconteciam por eliminação visual: aquela é muito isso, a outra muito aquilo e assim ia, mas o que valia mesmo era o sorteio. No palco as mulheres ficavam, também, angustiadas. Qual seria o homem que teriam que suportar sem uma paixão, amor, ou mesmo simpatia...?

Antigamente era obrigatório aceitar o resultado para não quebrar a tradição. Se, ao saber o resultado, houvesse reprovação, tanto pelo lado da noiva ou do noivo, eram guilhotinados. É tanto que acontecia de pessoas se casarem com inimigos da própria família, e esse era o objetivo: transformar as famílias em uma só, fazendo com que o Estado não gastasse tanto dinheiro em separar rixas milenares. 

A guilhotina há muito não era utilizada, contudo, ficava ali exposta só para lembrar do tempo em que as leis eram mais severas. Hoje pode se optar por negociação. Alguém pode propor uma permuta, e nessas trocas também ocorrem “voltas” em dinheiro, animais ou outros bens, tanto por parte do noivo quanto da noiva. 

Muitos chegam de carro e saem com uma noiva bonita, porém, a pé. O destino de muitas famílias estão ali naqueles sorteios. Há reclamações, como em todo sistema organizado, e para sanar esse problema, criaram o sistema de conglomerados. Muitas feias se juntam e arriscam um noivo em parceria. Até três é permitido nesse jogo. A vantagem é que se for sorteada com um noivo não tão desejado, pode-se diluir a carga junto às outras. 

Muitas moças bonitas se arriscam em fazer essa associação. Os homens acham ótimo possuírem três, por isso, as feias são mais visadas, a não ser quando as bonitas se submetem àquela parceria. 

A luta delas é para manter o direito de se casarem, também, com mais de um marido, principalmente, as que não se contentam com apenas um. Nesse caso, há triagem para medir o grau de efervescência corporal. Se o que elas dizem sentir é verdadeiro, até cinco homens podem dividir a mesma noiva, dependendo do "test drive".

Antes do sorteio, as mulheres, também, são testadas no grito. A que conseguir gritar mais alto ganha um voucher para dispensar o noivo sorteado, caso não se agrade dele. Os gritos, a forma de brigar, tudo isso conta na hora de ganhar o brinde extra. Também são testadas diante de uma vitrine. Ao serem expostas a jóias, roupas, etc., e se os batimentos cardíacos permanecem normais, ganham pontos no quesito não compulsiva.

Ele sabia desses pormenores, por isso, estava atento para saber com qual se casaria. Feito o sorteio, Calênio optou por três feias. Com o seu tino empreendedor e com a ajuda das esposas, montou um “salute per aqua”, o famoso SPA, onde elas, literalmente, colocaram as mãos na massa e foram felizes para sempre.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 07.06.2022 – 14:12



2 comentários:

  1. Parabéns 👏🏽👏🏽, relato e poesia que retrata resistência, cidadania e compromisso social!

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  2. Obrigado Rita de Cássia, pelo apoio.

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